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Como é que as empresas salvam o mundo? Criando valor com Sustentabilidade

Bruno Proença

Professor de Política de Empresa

O tema da Sustentabilidade entrou definitivamente nas nossas vidas. E ainda bem, porque o problema é, de facto, sério. Todos os dias, nos jornais, nas televisões, nas redes sociais encontramos artigos e informação sobre as alterações climáticas e as suas consequências para a (in)sustentabilidade do planeta. Bem como artigos sobre as políticas dos governos e as ações das empresas para tentarem lidar com o problema. Quem não ouviu falar já de conceitos como ESG, ‘carbon taxes’, ‘green bonds’ ou ‘green finance’?

Ter consciência da gravidade da situação é positivo. Mas insuficiente. Usando a velha piada dos “Gato Fedorento”: “eles falam muito, mas não os vejo fazer nada…”.  Por outras palavras, todos os países estão, neste momento, a falhar as metas do Acordo de Paris. Por este caminho, não vamos atingir a neutralidade nas emissões de CO2 em 2050. Na verdade, os últimos dados das Nações Unidas revelam que as emissões (líquidas) continuam a crescer, em vez de diminuir. Resumindo, as medidas que já foram adotadas por governos e as diferentes organizações são escassas e ineficientes.

Se todos concordamos com a necessidade de garantir a sustentabilidade dos recursos do planeta, nem todos concordamos (nem sabemos) como lá chegar. É o que a literatura chama de “custos de transição”, que são muito elevados. Por um lado, do ponto de vista financeiro será necessário investir biliões de dólares anualmente para reconverter os sistemas económicos e também em inovação para encontrar produtos e serviços sustentáveis. Por outro lado, e mais difícil, as transformações necessárias são muito profundas. Vão ao âmago da nossa estrutura económica e dos nossos padrões enquanto consumidores. Não basta colocar dinheiro no problema, é necessário encontrar soluções para o problema. Dois exemplos paradigmáticos: produção de energia e a alteração dos padrões de consumo.

A energia é a base de qualquer sistema económico. Apesar de todo o caminho que foi feito nas energias renováveis, o nosso sistema económico ainda está sustentado em fontes de energia fósseis (petróleo, carvão…), que produzem energia através da sua combustão, processo que provoca a emissão de C02 para a atmosfera. Portanto, é totalmente insustentável. Por outras palavras, se queremos um sistema económico sustentável, temos que encontrar outro paradigma energético. Porém, basta ver os telejornais dos últimos dias para perceber que o que é óbvio no papel, é muito difícil de implementar precisamente devido aos “custos de transição”. Perante a subida do preço dos combustíveis para valores recorde, poderíamos afirmar que é a trajetória desejável para incentivar os consumidores e os produtores a procurarem outras fontes (sustentáveis) de energia. Ao invés, temos os governos a adotarem medidas para tentarem mitigar o impacto da subida dos preços nas famílias e nas empresas. Politicamente e numa lógica de curto prazo, percebe-se a ação dos governos, que querem evitar as falências das empresas devido ao aumento dos custos de produção ou que as famílias sejam empurradas para a pobreza energética. Mas, numa perspetiva de longo prazo, o que faria sentido seria promover sistemas alternativos de mobilidade e investir na investigação de novas fontes de energia.

A alteração dos padrões de consumo, nomeadamente alimentares, é outro bom exemplo. Apesar de todo o ‘buzz’ à volta da mobilidade, a produção agrícola é responsável por mais emissões de CO2 do que o sector dos transportes. Por isso, se queremos um planeta sustentável, temos que alterar os hábitos de consumo, especialmente alimentares (por exemplo, de carne de vaca). Mas basta recordar o debate sobre a virtude na filosofia grega antiga (Aristóteles) para perceber que, mais uma vez, é mais fácil falar do que executar.

As empresas têm o papel mais fácil

No mundo empresarial, a realidade é semelhante. Numa recente entrevista ao Financial Times, Paul Polman afirmou que as organizações não se devem focar em diminuir o mal que fazem, mas sim em resolverem os problemas do mundo. E concluía: “a distancia entre o que está a ser feito e o que é necessário fazer está a aumentar”.

Paul Polman foi CEO da Unilever durante cerca de uma década e foi responsável, juntamente com a sua equipa, pela definição e implementação de um novo plano estratégico que tinha como objetivo transformar integralmente o modelo de negócio da multinacional para que fosse totalmente sustentável. Há abundante literatura académica sobre a atuação de Paul Polman à frente da Unilever mas, no fim, o CEO holandês acabou por sair sem atingir o seu objetivo, pressionado pelos acionistas que queriam mais resultados no curto prazo.

Mas então como ultrapassamos esta situação? Tal como defendia Aristóteles, o caminho para a virtude encontra-se através da prática. Ou seja, fazendo todos mais e melhor, numa ação coordenada entre organizações internacionais, governos e empresas.

Arrisco dizer que as empresas têm o papel mais fácil. Podem contribuir para a salvação do planeta fazendo aquilo que melhor sabem fazer, no fundo o que está no seu ADN: criar valor. É para isso que as empresas existem. Portanto, não é necessário reinventar a roda. É apenas necessário reorientar propósitos, objetivos e modelos de negócio.

Obviamente que a visão clássica e ortodoxa de que as empresas servem para criarem valor para os acionistas está ultrapassada porque está incompleta. Os gestores não devem esquecer os acionistas, mas devem colocar no mesmo patamar os interesses e as necessidades de longo prazo de outros stakeholders – clientes, colaboradores, fornecedores, Estado…

Numa lógica de sustentabilidade, a criação de valor, e a sua distribuição, tem que ser posicionada num âmbito mais holístico, que integra, em simultâneo, várias dimensões: financeira, capital humano, ética e governance e a área ambiental. Para construírem organizações sustentáveis, os gestores têm hoje que se preocupar com mais dimensões – ESG (Environmental, social and corporate governance), a que acrescento a dimensão financeira, porque sem contas saudáveis ninguém é sustentável. Todas as dimensões são igualmente importantes. É tão relevante acabar com as emissões de CO2 como evitar práticas criminais de fuga aos impostos, ou pactuar com práticas laborais que não respeitam os direitos dos trabalhadores.

No fim do dia, os gestores têm que fazer o que sempre fizeram: organizar os recursos escassos da sua organização para criarem produtos e serviços que satisfaçam as necessidades dos clientes… Respondendo agora também, e em simultâneo, a todas as dimensões da sustentabilidade. Como sublinha Paul Polman, se olharmos para o sector da energia, a criação de valor está agora na energia limpa; e no setor dos transportes, nos transportes “verdes”.

As comunidades estão a pedir esta mudança às empresas. Os diversos stakeholders têm hoje preocupações e exigências diferentes. Por um lado, muitos clientes querem hoje práticas sustentáveis nas empresas a quem compram produtos e serviços e penalizam quem as não tem. Por outro lado, as empresas com melhores ‘ESG metrics’ começam a garantir custos de financiamento mais baixos. E, por fim, temos os tribunais dos países mais desenvolvidos a condenarem as empresas energéticas e os Estados por não desenvolverem as medidas necessárias para lidarem com as alterações climáticas.


As “tradicionais ferramentas” de gestão ainda são válidas

Para enfrentarem este contexto de mudança profunda e reorientarem as suas organizações, a alta direção das organizações pode continuar a recorrer às “tradicionais” ferramentas e modelos de gestão. Ou seja, devem integrar as diferentes dimensões da sustentabilidade nesses modelos, que continuam a ser válidos. Um exemplo paradigmático disto são os modelos de estratégia competitiva. A literatura académica (Ioannou, & Serafeim, 2021) mostra que as conclusões não mudam quando introduzimos as questões da sustentabilidade.

Como referem os autores, “um número crescente de empresas implementou voluntariamente um conjunto alargado de ações de sustentabilidade por forma a enfrentarem as expectativas crescentes dos stakeholders relativamente aos domínios ESG e para construírem uma vantagem competitiva por via da diferenciação, através da integração da sustentabilidade nas suas estratégias e nas suas estruturas e processos organizacionais” (Ioannou, & Serafeim, 2021, p. 2).

As empresas têm hoje diferentes formas de assegurarem estratégias competitivas baseadas na diferenciação associada à sustentabilidade: podem conseguir melhor acesso ao financiamento; mais e melhores resultados com a inovação; acesso a melhor capital humano; reputação reforçada e crescimento nas vendas; acesso mais favorável aos mercados internacionais; reforço da satisfação dos colaboradores e dos clientes em resultado da diminuição da pegada ambiental; e através da prevenção de custos associados a medidas regulatórias (Ioannou, & Serafeim, 2021, p. 2). Por outras palavras, há várias formas de “criarem valor” com estratégias competitivas baseadas nas dimensões da sustentabilidade.

Quem já estudou as temáticas da estratégia competitiva, sabe que uma questão fundamental é a solidez da vantagem competitiva. Ou seja, até que ponto a diferenciação do meu produto ou do meu serviço pode (ou não) ser facilmente imitada pelos concorrentes. Se sim, alguns autores consideram que não estamos perante uma “verdadeira” vantagem competitiva, uma vez que a minha estratégia não é “única”. Toda esta temática pode ser encontrada em autores clássicos da estratégia competitiva, como Porter (1996).

Pois bem, as conclusões relativamente a esta temática permanecem inalteradas mesmo quando aplicadas a estratégias competitivas baseadas na sustentabilidade. Ou seja, se a vantagem competitiva baseada nas diferentes dimensões da sustentabilidade for verdadeiramente “única”, garantirá à empresa um melhor posicionamento e valorização no mercado, conseguindo melhor performance do que a concorrência (Ioannou, & Serafeim, 2021, p. 5). A empresa terá assim uma estratégia competitiva mais sólida e difícil de imitar.

Modelos de transição

Se as empresas não têm que mudar o seu ADN e se os tradicionais modelos analíticos de gestão continuam a ser válidos, porque custa tanto transformarem-se em organizações sustentáveis? Tal como referido antes, os custos de transição são elevados. Não é fácil mudar o paradigma energético, os padrões de consumo, as políticas públicas, e também não é fácil às empresas entrarem em jornadas de transição para novos modelos de negócio onde vão ter que construir novas vantagens competitivas únicas associadas à sustentabilidade.

Portanto, concordando todos onde queremos chegar, a alta direção das organizações deve agora focar-se nos modelos de transição. Infelizmente, não basta construir planos estratégicos que definem negócios sustentáveis. É condição necessária, mas não suficiente. É necessário garantir a sua implementação. Esta é a grande lição do fracasso parcial de Paul Polman à frente da Unilever. Não basta definir propósitos ambiciosos. É preciso implementá-los.

Cada organização saberá melhor do que ninguém o caminho que deve seguir, mas há cinco passos que podem ser dados (Serafeim, 2020).

  1. Integre os princípios ESG na estratégia competitiva – Os gestores têm que definir estratégias diferenciadoras e ambiciosas que incluam os princípios ESG. Relembrando os ensinamentos de Porter (1996), que nos dizem que as empresas que têm rentabilidade acima da concorrência são as que implementam estratégias diferenciadoras e “únicas”, a alta direção deve definir essas estratégias dando um passo em frente e procurando ser diferente usando as dimensões da sustentabilidade.
  1. Identifique um propósito para a organização e crie uma nova cultura – Sem mudar a cultura organizacional, o processo de mudança pode fracassar porque não atinge os colaboradores que estão na base da organização. Portanto, a alta direção deve identificar um propósito que seja o pilar da reconstrução da cultura organizacional.
  1. Tenha indicadores de controlo da integração dos princípios ESG na organização – A implementação de uma estratégia ESG obriga a uma transformação estratégica e operacional. Para isto, ter bons indicadores e métricas ESG é fundamental. Por um lado, permite que o Conselho de Administração tenha uma avaliação clara do processo de transformação. Por outro lado, permite incluir os princípios ESG na avaliação e no sistema de incentivos dos colaboradores.
  1. Avance com alterações operacionais para garantir a concretização dos princípios ESG – Para que a transformação seja real, tem que chegar às operações diárias da organização. As operações devem estar organizadas por forma a atingirem o propósito da empresa e a responsabilidade pela sua implementação deve ser descentralizada. Todos devem ser ‘empowered’ e responsabilizados pelas transformações operacionais com vista à concretização dos princípios ESG.
  1. Assuma o compromisso da transparência – Comunique abundantemente o processo de transformação junto dos principais ‘stakeholders’, como clientes, colaboradores, fornecedores, acionistas, financiadores… É importante valorizar os efeitos positivos da empresa nas pessoas e no planeta. E ter a coragem para alterar as tradicionais análises financeiras para que sejam mais transparentes e traduzam o real impacto da organização na comunidade e no planeta. Os ‘stakeholders’ estão cada vez mais atentos aos fenómenos de ‘greenwashing’. Assim, a transparência e a ética empresarial são essenciais num verdadeiro processo de mudança.


As jornadas de transição são difíceis e complexas, por isso temos tão poucos casos de verdadeiro sucesso. Mas não são uma missão impossível. Os estudos mostram que, para se atingir o ‘tipping point’ numa indústria, tem que se reorientar cerca de 25% desse sector. Portanto, não é um valor intransponível.

Como refere Paul Polman, se as empresas não estão a provocar um impacto positivo no Planeta, para que é que existem? Os gestores devem colocar os interesses dos seus filhos e dos seus netos acima da sua ganância pessoal.

Bibliografia:
Ioannou, I., & Serafeim, G. (2021). Corporate sustainability: A strategy?. Harvard Business School Accounting & Management Unit Working Paper.
Porter, M. (1996). What is strategy?. Harvard Business Review, 74(6): 61-78.
Serafeim, G. (2020). Social-Impact Efforts That Create Real Value. Harvard Business Review.

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