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Energia e guerra na Ucrânia: O adiar da agenda verde?

Francisco Vieira

Professor de Operaçções, Tecnologia e Inovação e Diretor do Programa Advanced Management in Energy | AMEG

A energia anda nas bocas do mundo. Chavões como “alterações climáticas”, “transição energética” ou “preços da eletricidade” rivalizam com os títulos noticiosos da pandemia e, agora, da guerra na Ucrânia. É raro o dia sem a proposta de múltiplos webinars e anúncios de investimentos vultuosos em projetos e tecnologias que vão mudar o planeta, ou a notícia de eventos climáticos extremos a deixar regiões e populações inteiras à mercê de catástrofes devastadoras. O setor da energia tem feito títulos e não pelos melhores motivos, graças à escalada de preços de algumas das principais commodities, muito em especial o gás natural e a eletricidade nos mercados grossistas europeus.

Se é certo que os analistas coincidiam no caráter conjuntural das razões subjacentes ao atual fenómeno inflacionista dos preços, o eclodir da intervenção armada na Ucrânia deita por terra todas as expetativas de uma gradual normalização dos preços da energia na Europa a curto prazo. A extrema vulnerabilidade do velho continente, quase totalmente dependente do gás alheio para a sua sobrevivência, só pode agravar-se com a perspectiva do corte de fornecimento do gás russo e da “paragem” do licenciamento do gasoduto Nord Stream 2, já tecnicamente pronto, mas agora com um desfecho incerto quanto à possibilidade da sua utilização futura.

As consequências nos preços da eletricidade na Europa preveem-se devastadoras para as indústrias e os consumidores domésticos. São cada vez mais numerosas as vozes na Alemanha a favor da reversão do abandono do nuclear, numa tentativa de evitar um forçoso regresso ao carvão.

É interessante acompanhar eventos como a COP26, em Glasgow, no passado mês de novembro, e o World Petroleum Congress, em Houston, umas semanas depois. Se, no primeiro, foi finalmente quebrado o verniz e explicitamente referida a necessidade de caminhar para a redução do uso dos combustíveis fósseis, no segundo invoca-se a “autoridade” de um setor (o do petróleo) que proporcionou um enorme progresso económico e civilizacional no último século, para liderar agora esta transição energética. Vamos continuar a assistir a este confronto durante mais algumas décadas, até que o petróleo tenha substitutos adequados, nomeadamente no vasto domínio dos transportes.

Igualmente curioso é assistir à forma como as maiores multinacionais de petróleo e gás se posicionam frente a toda este escrutínio social. Expressões como “energia verde” e “neutralidade carbónica” passaram a integrar o léxico e a comunicação destas organizações. Todos olham e invocam o caso da Orsted, originariamente a companhia petrolífera dinamarquesa que há 14 anos gerava ainda a maioria das suas receitas nos hidrocarbonetos, e se converteu no líder mundial do Eólico Off Shore, abandonando totalmente as energias fósseis. A propósito, é de registar a presença de uma empresa portuguesa, EDP Renováveis, num dos consórcios ganhadores no recente leilão de licenças para a produção deste tipo de energia nas costas do Estado de Nova Iorque (EUA) com um encaixe recorde para o erário público (4.3 mil milhões de dólares), superior à de qualquer bloco de Petróleo e Gás na história dos EUA.

O mundo não pode prescindir subitamente do produto e da energia das empresas de Oil & Gas, e o mote a que nos vão habituando as Majors para reter clientela, pacificar mercados e conquistar investidores é:  Performing while Transforming. Aliás, 2021 brindou-nos com o caso do Engine No 1, um pequeno Hedge Fund com apenas 0,02 por cento do capital da toda poderosa ExxonMobil que conseguiu três lugares no Board da companhia e forçou uma inflexão na linha estratégica, bem como compromissos ambientais nada previsiveis.
Mas a crise da Ucrânia já catapultou em menos de uma semana o preço do barril de Crude bem para lá dos 115 dólares. Os pequenos produtores de Shale Oil nos EUA e Canadá estão de volta em força, tudo menos o que a Administração Biden desejaria com o seu plano de transição limpa.

Em Portugal, estamos prestes a iniciar um novo ciclo governativo. A continuidade da escolha popular não faz prever reviravoltas nem reversões na política energética. Apenas se espera do novo executivo que continue a trilhar o rumo da neutralidade carbónica com sentido de oportunidade e sustentabilidade social. E, sim, é expectável que continuemos a assistir a desenvolvimentos nos filões do hidrogénio, do lítio, do solar, do eólico off shore, desejavelmente com concretizações que credibilizem o enorme esforço de comunicação de que têm sido objeto.

Atrevo-me a suspeitar que o maior desafio que o novo governo vai enfrentar no setor energético ao longo dos próximos 12 meses, a par da maioria dos restantes governos europeus, é a escalada de preços agravada pela situação que decorre da invasão da Ucrânia. O foco por isso pode bem desviar-se, por uns tempos, da agenda verde para o setor.

Sabemos que a transição tecnológica na energia envolve sempre disrupção e transformação da sociedade. Não creio que seja em 2022 que assistiremos a nenhum grande acontecimento ou evolução que resolva os desafios que nos estão colocados. E também não será em 2023 ou 2024. Já se percebeu que esta viagem de décadas implicará milhões de pequenos passos, períodos de consolidação longos e alterações de comportamento do lado do consumo.

Publicado no Observador 

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