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À conversa com Pedro Siza Vieira sobre fundos europeus

09/03/2023

Pedro Siza Vieira, advogado e ex-Ministro da Economia, foi entrevistado na AESE pelo Prof. Pedro Alvito, a propósito da Masterclass “Debater Fundos Europeus”. A conversa aconteceu no mesmo dia, a 9 de março de 2023.


É normal que quando alguém abandona um cargo público, esse facto permite-lhe ter uma visão menos pressionada e mais tranquila sobre os problemas e os assuntos passados. Numa perspetiva positiva do assunto, e falando relativamente à questão dos fundos europeus, o que acha que poderia ter sido diferente para melhor?

Devo dizer, como introdução, que não tenho essa perspetiva. Eu não faço esse tipo de balanços só agora porque eu estava constantemente a fazê-lo no meu dia a dia sobre aquilo que me deixava insatisfeito relativamente às coisas que tinha na agenda por um lado, e por outro lado também nunca entrei com ilusões. Eu tenho a noção de que nós em qualquer função que exercemos temos uma capacidade limitada de influenciar os acontecimentos e que, portanto, temos de ter sempre uma noção muito exata daquilo que nos é possível fazer, daquilo que devem ser metas ambiciosas que coloquemos e nunca ficar frustrados se não conseguimos atingir tudo.
Feita esta introdução eu acho que em matéria de fundos europeus tivemos duas coisas. Nós temos tido um ciclo muito longo de fundos estruturais de apoio à economia. Eu acho que esse ciclo muito longo é um ciclo muito positivo e de grande continuidade, ou seja, praticamente desde o PEDIP até ao PT 2020 nós tivemos uma forma de por um lado apoiar a capacidade produtiva das empresas modernizando muito daquilo que são as suas capacidades, sobretudo no setor industrial, e tivemos também um investimento feito em coisas de apoio à inovação: centros tecnológicos, centros de interface, centros de formação, etc. que tiveram uma grande continuidade ao longo de 3 décadas. Aliás uma das conversas que tinha regularmente com o Eng. Mira Amaral é que de facto os vários governos que foram passando foram mantendo alguma continuidade de políticas e eu acho que isso explica de algum modo o sucesso das coisas.
Onde me pareceu que do ponto de vista da orientação as coisas têm e devem mudar, e por isso quando desenhámos o PT 2030 começámos a fazer isso, é que nós por um lado vamos ficar limitados na capacidade, por determinações europeias, de apoiar projetos de grandes empresas. Esta foi uma parte importante da atração do capital estrangeiro para Portugal e que passou muito por conseguirmos dar subsídios ao investimento com fundos europeus. Isso vai desaparecer e por outro lado vamos ter aquilo, que ainda foi pouco feito, que são os projetos colaborativos entre empresas grandes, pequenas e instituições do sistema científico e tecnológico para o desenvolvimento de processos e sobretudo de produto dirigido aos mercados globais com mais inovação. Eu acho que este desenho é aquele que precisa de ser acentuado e precisa de continuar a ser executado.
Do ponto de vista da execução do quadro que vinha de trás, que basicamente foi desenhado nos anos 2012 e 2013 e que me competiu gerir, a minha maior frustração é mesmo a falta de capacidade de resposta da administração pública. Nós temos regulamentos que ao longo de 3 décadas se foram tornando cada vez mais complexos e burocratizados e temos muita falta de resposta por parte das instituições públicas que têm de decidir e acompanhar a execução de projetos. Eu acho que esse aspeto de reforma destas instituições públicas é uma coisa que ficou por fazer.


Julgo que existe aqui uma pescadinha de rabo na boca entre aquilo que se exige às empresas e aquilo que se quer proteger por outro lado. Isto faz com que a burocracia tenha crescido nestes anos a níveis completamente desmedidos. Recordo-me do PEDIP, quando começou, em que as queixas já nessa altura incidiam sobre esta questão. A burocracia que existe hoje em dia comparada com a que existia no tempo do PEDIP é mil vezes superior. A questão é: ganhou-se alguma coisa com isso ou ganha-se alguma coisa?
Eu acho que não! Nós temos hoje em dia muito mais exigências por parte das instituições europeias. Temos um receio imenso das instituições nacionais naquilo que são auditorias à gestão de fundos e controlos. Não deve haver nenhum setor da atividade administrativa portuguesa e de regras financeiras tão controlado e tão fiscalizado como a execução de fundos europeus. Portanto nós, quando temos a intervenção de entidades como a inspeção geral de finanças, o Tribunal de Contas, e depois ao nível europeu o mecanismo de controlo contra a fraude, estas auditorias sucessivas acabam por levar os decisores a defenderem-se imenso com regras cada vez mais complexas. O problema das regras complexas é que elas já dificultavam a tarefa dos organismos intermédios, quando nós tínhamos poucos projetos a serem financiados; com o PT 2020, onde temos muito mais verbas, muito mais projetos e mais pagamentos, a tarefa é ainda mais complexa. O número de pagamentos a fazer, o número de empresas apoiadas, o número de projetos a ser decididos e depois acompanhados é muito maior e quando ao mesmo tempo temos uma administração pública mais envelhecida com quadros que se vão reformando e que não vão aparecendo novos isto torna-se praticamente impossível.
A única mudança, a meu ver, era fazer uma reengenharia dos processos, apostar muito mais na capacidade de centralizar aquilo que é back-office e concentrar nos organismos intermédios, nas autoridades de gestão aquilo que verdadeiramente é mais importante. É uma coisa que começámos a desenhar e que é basicamente fazer o seguinte: nós temos no Ministério da Economia, como organismos intermédios, a tomar decisões em matéria de apoios e depois a concretizar pagamentos e acompanhar projetos, a ANI, o IAPMEI, o AICEP e o Turismo de Portugal. Em todos estes serviços há pessoas que estão alocadas a fazer tarefas que são basicamente idênticas: avaliar faturas, visar faturas, proceder a pagamentos, coisas completamente transacionais. Vou-lhe dar alguns exemplos que são exemplos europeus. Tudo tem de ser feito em papel, tudo tem de ter suporte de papel. Porquê pergunto eu?! Hoje em dia fazemos o trail das nossas transações com as instituições financeiras tudo digitalmente. Na UE é preciso ser tudo em papel, é uma coisa horrível! Mas o que estou a dizer é que nós precisamos de ter estas coisas, mas nós podemos, do lado público, simplificar muito tudo isto que é meramente transacional. A nossa ideia era criar um centro de serviços partilhados, digamos assim, que pudesse fazer estas tarefas todas idênticas, libertando recursos para aquilo que é a concessão dos apoios, a tomada de apreciação dos projetos e depois o acompanhamento e encerramento de projetos.
Isto tudo exige coisas que, hoje em dia, na administração pública portuguesa, são muito difíceis de fazer. É preciso realocar funcionários, é preciso contratar pessoas, é preciso fazer investimentos muito grandes em tecnologia e tudo isto numa administração pública que desde há 20 ou 30 anos se entende que é preciso gastar menos, ter menos funcionários etc. O meu ponto é que a falta de recursos técnicos e humanos qualificados do lado da administração pública é um peso para a economia portuguesa, é um peso para a sociedade portuguesa e que nós devíamos ter um grande consenso de que é preciso reformar e renovar a nossa administração pública para que ela possa acompanhar uma sociedade cada vez mais exigente e mais inovadora e não ser um peso. Por outro lado, acho que toda esta nossa preocupação legítima com a transparência de processos, com o controlo dos procedimentos da administração e da atividade dos decisores públicos, aquilo a que tem levado é à construção de camadas sucessivas de regras, burocracias, instituições de controlo, que não nos deixam mais tranquilos quanto à transparência da administração pública mas tornam praticamente impossível tomar decisões em tempo útil e de forma consentânea com os ritmos que as próprias empresas exigem. Isto acontece nos fundos europeus, mas acontece em geral em toda a atividade administrativa, na contratação pública etc.
Portanto eu acho que tem razão! Há algumas coisas que o estado deveria fazer por si, mas há outras que, na verdade, exigem uma espécie de consenso político e social muito alargado à volta da necessidade de reforçarmos as instituições do estado e de aceitarmos que ser mais exigente e transparente não é necessariamente ser mais burocrático, com mais instituições de controlo.


Outra questão que também é relevante nas queixas feitas pelos empresários é a excessiva rigidez dos processos que faz com que muitas vezes seja o empresário a adaptar-se ao processo e não o processo a adaptar-se. Este facto gera situações como a compra de equipamentos desnecessários porque são valorizados ou não se apoiar coisas que são importantes porque não se enquadram…
Tudo isso é reflexo das mesmas coisas que estávamos a falar. Regras que vêm da Europa de forma muito rígida: há coisas que não podemos apoiar e coisas que somos obrigados a exigir. Depois há também todo este conjunto de coisas muito espartilhadas que vão ficando para trás. Vou lhe contar o caso mais hilariante do aspeto que está a referir, por exemplo no PRR, que não são fundos estruturais, em que temos aquilo definido quase à unidade. Havia um projeto de digitalização das escolas que entre outras coisas passava pela aquisição de equipamentos individuais para professores e alunos. Nós colocámos no PRR a aquisição de 800.000 computadores para disponibilização às escolas. Esta estimativa foi feita por excesso, não era necessária tanta coisa porque alguns já tinham sido adquiridos e alguns alunos têm os seus próprios equipamentos. Chegámos à União Europeia e dissemos que nós não precisávamos de tantos, íamos comprar menos, que dessem a meta por cumprida porque o que interessava era isso. “Não! Têm de comprar todos”. Temos computadores a mais que só podemos usar nas escolas, nem sequer podemos usar para outros serviços públicos ou outros destinos porque senão é desvio de aplicação, mas se não fizéssemos aquilo eles não consideravam a meta cumprida e não faziam o próximo desembolso. Está a ver exemplos de irracionalidade que têm a ver com a própria união Europeia.


Muitas vezes os empresários queixam-se de que apesar de lhes ser dada razão em muitos dos aspetos que já falámos as soluções nunca são implementadas.
Há queixas típicas e algumas delas são exclusivamente da responsabilidade das autoridades nacionais. Por exemplo nós temos os chamados avisos para os programas de apoio à inovação produtiva ou à investigação e desenvolvimento, à inovação empresarial. Nós fazemos publicações de avisos e basicamente os empresários têm de apresentar candidaturas depois dessa publicação ficando à espera da decisão etc. A partir do momento da publicação do aviso e da apresentação da candidatura já podem incorrer em despesas “por conta de” mas eles queixam-se que deveria de estar aberto em contínuo porque se eu tenho uma oportunidade, eu tenho que tomar uma decisão de investimento, eu preciso de saber se avanço ou não e muitas vezes ficam à espera e as coisas não saem. Há uma razão essencial para isso é que as autoridades de gestão gostam de ir gerindo, digamos assim, os envelopes financeiros que têm em função da execução, ou seja, não querem gastar tudo de uma vez e têm receio que se tivessem os processos abertos em contínuo e se de repente, logo no primeiro momento, aparecesse uma grande corrida aos apoios, não ficasse nada para a frente. Eu acho que havia aqui maneira de procurarmos ser mais regulares na publicação e os empresários terem mais visibilidade sobre quando é que podiam contar com os apoios, mas isso é uma coisa das autoridades nacionais.
Outra coisa tem a ver com o tipo de investimentos elegíveis e de despesa que pode ser contemplada e, aí sim, eles têm queixas. Por exemplo quando são os apoios à internacionalização: “vocês só dão apoios para nós participarmos nas feiras, mas nós, se calhar, queríamos era ter a possibilidade de pagar um agente comercial num determinado mercado”, “vocês só pagam ações coletivas não pagam ações individuais de uma empresa”. Isto já tem a ver com a próprio conceção do sistema.


2030. O que vai trazer de melhor?
Eu acho que vai trazer de melhor alguns aspetos de gestão, por exemplo, nós vamos começar a trabalhar com custos estandardizados em vez de as empresas dizerem que vão pagar não sei a quantos investigadores para desenvolverem um produto e depois têm de demonstrar x horas e a despesa que efetivamente pagam ou na aquisição de determinados serviços ou na aquisição de determinados produtos. Isto é muito pesado quer para as empresas apresentarem depois os comprovativos de pagamento quer para as autoridades de gestão dos organismos intermédios fazerem a avaliação. Trabalhar com custos estandardizados é dizer que nós assumimos que o custo de um engenheiro é x. Isto simplifica imenso a forma como se trabalha.
A outra coisa é que nós vamos dar muito mais peso àquilo que é, aquilo que nós chamamos, investigação e desenvolvimento em co-promoção, ou seja, aqueles projetos em que tem de haver colaboração entre entidades do setor empresarial e entidades do sistema científico e tecnológico. Os projetos em co-promoção que fizemos têm sido extremamente positivos. Os exemplos mais conhecidos são os da Bosch no Minho e em Aveiro, tudo aquilo que foi desenvolvido no setor têxtil e calçado. São coisas muito interessantes no sentido de desenvolver produtos orientados para os mercados globais. Vamos dar mais peso a isso e menos àquilo que tradicionalmente era feito que era a ideia de trabalhar para financiar a aquisição de um equipamento por uma única empresa para melhorar a sua capacidade produtiva e não necessariamente fazê-la crescer na cadeia de valor. Acho que estas mudanças são importantes.
Depois eu diria que da parte do Compete, que é o programa essencialmente dirigido às empresas, nós vamos contar com um grande envelope para apoio à descarbonização de processos industriais, e de uma maneira geral da atividade empresarial, que é uma coisa muito positiva porque este é um dos desafios do futuro. Vamos também ter um outro tipo de apoios à formação profissional no contexto da empresa, ou seja, financiar ações de formação desenvolvidas por associações, ou no próprio contexto de empresa, muito mais dirigidas às necessidades que a procura gera, em vez de como até aqui se fazia, trabalhar na base de uma definição de determinados programas em que depois as empresas se vão encaixar. Eu acho que estas novidades são interessantes.



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