AESE insight #85 - AESE Business School - Formação de Executivos

AESE insight #85 > Thinking ahead

Enquadrar a tomada de decisão em contextos extremos

Pedro Borda de Água

Professor de Política de Empresa da AESE Business School

Decorreram mais de 11 anos desde o 11 de março de 2011, quando um dos mais fortes terramotos registados na história atingiu o nordeste do Japão. Menos de uma hora após tal terramoto, duas gigantescas ondas de tsunami atingiram a costa leste do Japão, levando a morte a dezenas de milhares e destruindo biliões em ativos. Contudo, uma das questões mais graves foi o impacto que este evento teve na central nuclear de Fukushima Daiichi. Tal como a maioria dos executivos e gestores empresariais, e independentemente da sua educação e formação, não estão normalmente preparados para enfrentar desafios desta natureza onde a tomada de decisão ocorre sob elevada incerteza, escassez de informação, e escassez de tempo.

Caracterizando situações de crise extrema

A complexidade é o novo normal para líderes e gestores e alguns modelos ou quadros de referência podem ser de grande ajuda no suporte à decisão em situações de crise. Geralmente, os programas tradicionais de gestão, liderança, ou até educação em engenharia abordam situações organizacionais “normais”, não mergulhando suficientemente fundo no desenvolvimento de competências de gestão destinadas a liderar e decidir sob crise extrema. Tais acontecimentos poderiam ser categorizados por serem raros, mas de elevado impacto.  Desde o acidente do Piper Alpha no Mar do Norte, ao acidente da BP Deepwater Horizon no Golfo do México e ao drama nuclear de Fukushima Daiichi no Japão; estas são situações em que a incerteza e impactos potenciais que afetam vidas e ativos são extremos, e onde a tomada de decisão é uma questão de vida ou morte, muitas vezes.

Usando o drama de Fukushima Daiichi, ocorrido a 11 de março de 2011, que já causou dezenas de milhares de mortes, durante o pico da crise, o Sr. Masao Yoshida, o gestor da central nuclear, teve de lidar com muitas questões críticas simultaneamente, num contexto de confusão [1]. Tentava dar sentido a toda a situação com informação escassa e reconhecimento de padrões difícil, sobe uma tremenda pressão e tempo. Por exemplo, teve de dirigir as operações na central para o arrefecimento dos reatores nucleares e evitar uma explosão de larga escala; teve de velar pela vida dos empregados, e das populações circundantes que poderiam ser gravemente afetadas pela radiação, juntamente com a gestão e coordenação com a sede da empresa em Tóquio.

Em situações de crise extrema, os decisores devem ser capazes de reconhecer que já não operam num contexto simples e estável, quando algumas das seguintes características da  Figura 1 se manifestam.


A incerteza ou a falta de previsibilidade não precipita necessariamente o “modo de crise” por si só, e normalmente um decisor sob incerteza utilizaria alguma ferramenta simples como, por exemplo, uma árvore de decisão. Porém, quando as relações de causa-e-efeito, no desenrolar dos acontecimentos, não são evidentes, o que acontece quando os contextos se tornam complexos (por oposição a apenas complicados) ou caóticos, a tomada de decisão torna-se mais crítica – tal pode ter acontecido na central de Fukushima Daiichi, há 11 anos atrás.

O dia do Tsunami

O dia 11 de março de 2011 podia ter sido um dia normal na central nuclear de Fukushima Daiichi, no nordeste do Japão, mas nessa mesma tarde pelas 14:42 um terramoto de escala 9.0 Richter com epicentro 130 km a leste do Japão atingiu o país, provocando o encerramento automático de vários reatores nucleares [1], [2]. O pior, porém, estava ainda por vir. Menos de uma hora após este terramoto, duas gigantescas ondas de tsunami de cerca de 15 metros atingiram a costa leste do Japão, ceifando milhares de vidas, e atingindo a central nuclear. Ser o líder máximo duma central nuclear não é exatamente o mesmo que conduzir uma central termoelétrica, hídrica ou uma instalação fabril. Estar ao leme duma central nuclear exige anos, mesmo décadas, de formação, experiência e um sentido agudo da segurança e dos perigos associados à radiação, sempre presentes na mente de tais profissionais, onde a história da nação recorda o impacto de duas detonações atómicas. Portanto, quando a central nuclear de Daiichi foi atingida pelas ondas gigantescas, os primeiros pensamentos foram provavelmente confusos e talvez uma sensação de desorientação.

– Como deve um decisor proceder em tal contexto, onde vidas humanas estão em jogo, a informação é escassa ou inexistente durante algum tempo, e se está debaixo de extrema pressão do tempo?

Para responder a esta pergunta, começamos por recordar que decidimos com base em modelos da realidade que nos circunda. Por conseguinte, modelamos a realidade para decidir as nossas ações, independentemente do tipo de modelo utilizado – mental ou formal – sendo alguns modelos mais úteis do que outros (Figura 2).


Adicionalmente, decidir e agir não deve necessariamente ser visto como um processo linear, mas sim como um processo iterativo, onde na prática se mistura progressivamente decisão e ação [3]. Em contextos de crises extremas os instrumentos formais e muitas vezes matemáticos perdem a prioridade e dão lugar a abordagens mais expeditas como heurísticas e referências, que ajudam a gerir o pico da crise até que toda a situação se estabilize nalguma via controlável. Isto é especialmente crítico em contextos complexos e caóticos, onde o reconhecimento de padrões está longe de ser cristalino. Assim sendo, quando os padrões não são facilmente reconhecíveis e por vezes se trata de situações de vida ou morte:

– Como é que os decisores, em contexto de crise extrema, enquadram a sua tomada de decisão?

O modelo Cynefin de Snowden & Boone é um destes referenciais úteis a ter presentes em situações de crise extrema [4].

Uma ferramenta útil para líderes em contexto de crise extrema

Adquirir os aspetos relevantes da realidade para um modelo que apoia a tomada de decisões envolve dados, informação, e conhecimento, aos quais se acrescentaria sabedoria. No entanto, no contexto de uma crise extrema, as decisões têm de ser tomadas com informação escassa e sob considerável pressão de tempo. Em tais situações, os decisores devem operar com a mínima informação crítica disponível e estar preparados para assumir riscos. A referência Cynefin, devido a Snowden & Boone, ajuda a enquadrar decisões baseadas num de cinco contextos: (1) simples, (2) complicado, (3) complexo, (4) caótico, e (5) desordem. Cada contexto deve ser abordado com um processo distinto. Dois destes contextos – complexos e caóticos – são típicos de situações de crise extrema. Enquanto em contextos complexos os decisores podem ter algum tempo para refletir sobre a situação e utilizar um processo com a sequencia probe > sense > respond, já num contexto caótico, caracterizado pela escassez de tempo e confusão o decisor deve optar por uma sequência act > sense > respond (Figura 3).



O quinto contexto, designado de “desordem” caracteriza situações em que nenhum dos outros quatro é óbvio, e onde a melhor abordagem é sondar a situação atribuindo-a a cada um dos quatro contextos anteriores à vez e verificar se é reconhecível algum padrão que permita categorizar a situação e então usar a sequência mais adequada para a resposta.

Olhar para os eventos da Fukushima Daiichi através do modelo Cynefin?

O modelo Cynefin fornece uma lente flexível que permite abordar uma situação, por vezes pouco clara de início. No contexto do drama de Fukushima Daiichi, o decisor, provavelmente não conseguiu ter claro nos minutos iniciais, após as duas ondas gigantes terem atingido a central nuclear, sobre a natureza do contexto em mãos. Após algum tempo, porém, ele sondou, sentiu e respondeu em conformidade, quando enviou uma equipa com lanternas de mão para o escuro dentro do edifício do reator e num ambiente potencialmente radioativo [1] [2].

Masao Yoshida, também assumiu riscos, ao prosseguir com a injeção de água do mar no reator Nr.1, agindo, depois sondando, para confirmar que estava no caminho certo para estabilizar a situação de crise num paradigma mais controlável, assegurando a descida fria da temperatura dos reatores.

No final, a fusão do reator não foi evitada, e embora o resultado da situação não fosse tão grave como o desastre de Chernobyl, pode ter libertado 100 vezes mais radioatividade do que o bombardeamento de Hiroshima [1]. A sua abordagem, que pode ser enquadrada pelo modelo Cynefin, mostrou como agiu, sentiu e respondeu, debaixo duma situação de crise extrema, mesmo com consequências pessoais decorrente da sua decisão de injetar água do mar no reator 1.

Resumindo

As crises extremas podem ter impactos pesados nas organizações, ameaçando mesmo a sua existência ou, pelo menos, causando danos consideráveis. A Pandemia da COVID-19 é um exemplo que obrigou milhões ou organizações e os seus líderes a reagir e agir de formas anormais, com diferentes níveis de sucesso. A forma como desenvolvemos os nossos dirigentes e gestores deve colocar o foco no desenvolvimento de pensamento crítico, e capacidade de lidar com a complexidade, tornando-os mais conscientes de que situações de crise extrema podem cruzar-se com as organizações pelas quais são responsáveis. A forma de abordar e responder a tais crises depende do nível de complexidade do contexto. Em caso de crise grave, um modelo como o Cynefin ajuda a abordar contextos complexos e caóticos, onde inicialmente se sonda ou atua, respetivamente; em seguida se cria sentido, e por fim se seleciona a resposta mais adequada. Desta forma, os decisores estarão a utilizar as suas “bússolas” da melhor forma para mostrar a rota segura para a saída duma hipotética crise, ou, pelo menos, para conseguir um caminho estabilizado, que faça a ponte para uma solução potencial. O método do caso, característico da AESE e outras escolas de alta direção, é uma forma de desenvolver capacidades de decisão – fundamentais quando não existem “receitas” pré-cozinhadas para enfrentar uma crise extrema.


Referências

[1] Reb, J. & Joshi, H. (2012). The Fukushima Nuclear Disaster: Leadership in Crisis. Singapore Management University Case Nr. SMU105
[2] Kase, K. & Nonaka, I. (2012). Fukushima Daiichi Nuclear Power Station. IESE Business School Case Nr. IES269
[3] Valero, A., & Lucas, J. L. (1991). Política de Empresa: El Gobierno de la Empresa de Negocios. Pamplona: Eunsa.
[4] Snowden, D. J. & Boone, M. E. (2007). A Leader’s Framework for Decision Making. Harvard Business Review. Nov.

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