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A Pegada Hídrica em debate no Executive Breakfast de Alta Direção da AESE
16/09/2025
A gestão da água constitui hoje um dos maiores desafios, em Portugal e no mundo. Conhecer os problemas e as oportunidades associados a este recurso vital é crítico para compreender o impacto que tem no quotidiano das famílias, nas indústrias e nas organizações.
Com este enquadramento, a AESE convidou o Professor António Carmona Rodrigues, Presidente do Conselho de Administração do grupo AdP – Águas de Portugal e Alumnus do PADE | Programa de Alta Direção de Empresas, para orador no Executive Breakfast sobre “O problema da Água: da pegada hídrica à resiliência hídrica”. O encontro decorreu no dia 16 de setembro de 2025, no Campus da AESE, em Lisboa, num ambiente reservado a dirigentes de topo.
Foi igualmente abordado o impacto do crescimento demográfico na perceção e valorização da água. Apesar de culturalmente ser vista por muitos como um bem imaterial e comum, a água possui um inegável valor económico, peso geopolítico e forte influência na produção de energia e na preservação dos ecossistemas.
Segundo o Professor Carmona Rodrigues, “a gestão de fins múltiplos é um desafio permanente”, assim como a definição de tarifas que assegurem a sustentabilidade dos investimentos em toda a cadeia de valor.
O debate que se seguiu à intervenção refletiu a preocupação partilhada em garantir uma cobertura eficiente e fiável do abastecimento, respondendo às necessidades da população e dos diversos setores de atividade, à parte questões de sazonalidade e outras contingências.
Numa entrevista, à margem do evento AESE
António Carmona Rodrigues, orador convidado nesta sessão, respondeu a uma entrevista da AESE, realizada ainda sobre o mesmo tema, tendo em conta a sua responsabilidade como Presidente do Conselho de Administração do grupo AdP. O especialista deixa ainda uma nota sobre como as Escolas de Negócios podem ter um papel ativo na formação de Líderes, tornando-as cada vez mais habilitados para uma gestão estratégica e sustentável.
Numa era marcada pelas alterações climáticas e pela crescente pressão sobre os recursos naturais, como é que a pegada hídrica pode ser usada como ferramenta estratégica de gestão, especialmente no sector empresarial?
ACR: ‘A pegada hídrica é um indicador fundamental para compreender o impacto do uso da água ao longo de toda a cadeia de valor de uma organização pois permite identificar pontos críticos de consumo, perdas e oportunidades de reutilização, entre outros. A medição e gestão da pegada hídrica podem ajudar as empresas a reduzir custos operacionais, a melhorar a reputação ambiental e a alinharem-se com exigências regulatórias e expectativas dos consumidores. Podendo funcionar como base para decisões mais informadas e sustentáveis, é uma ferramenta de competitividade e responsabilidade.
No Grupo Águas de Portugal, a eficiência hídrica é uma prioridade estratégica, que visa não apenas a eficiência operacional, mas também a criação de valor ambiental e social. Neste sentido, temos também vindo a colaborar com o setor empresarial, colocando as competências técnicas das nossas empresas ao serviço dos clientes que são grandes consumidores de água. Esta visão estratégica é igualmente refletida na formação especializada, onde o conceito de valor da água — e por inerência, a medição da pegada hídrica — assume um papel central. É exemplo disso a Pós-Graduação em Tecnologias e Gestão da Água, desenvolvida pela Academia das Águas Livres da EPAL em parceria com a Nova SBE, que visa precisamente capacitar quadros licenciados com competências técnicas e de gestão orientadas para a criação de valor no setor da água.
De salientar que as grandes empresas da Europa, impulsionadas por diretivas como a Corporate Sustainability Reporting Directive e a Corporate Sustainability Due Diligence Directive, estão a intensificar a avaliação da pegada hídrica nas suas cadeias de abastecimento. Estas diretivas exigem que as organizações com atividade significativa na União Europeia divulguem o uso da água e os riscos associados, promovendo uma gestão mais eficiente e transparente.’
Portugal enfrenta desafios específicos em termos de escassez e gestão da água. Quais considera serem as prioridades mais urgentes para aumentar a resiliência hídrica do país a médio e longo prazo?
ACR: ‘As prioridades passam por reforçar a interligação entre sistemas, investir em novas infraestruturas de armazenamento e distribuição, e acelerar a reutilização de águas residuais tratadas enquanto origem alternativa. Complementarmente, a dessalinização já está a ser considerada como solução estratégica de reforço da disponibilidade de água para usos consumptivos, designadamente para o Algarve, região onde a escassez hídrica se evidencia e é crescente. Paralelamente, a digitalização do ciclo urbano da água — com sistemas de monitorização e gestão inteligente — será determinante para uma resposta mais eficaz e adaptativa.
Estas medidas estão alinhadas com a Estratégia Nacional Água que Une, que antecipa uma quebra de 6% nas disponibilidades hídricas e um aumento de 26% nos consumos até 2040. Para responder a este desafio, a estratégia prevê um investimento de cerca de 5 mil milhões de euros até 2030, distribuído por quase 300 medidas que visam reforçar a eficiência, a resiliência e a inteligência na gestão da água.
A par destas medidas técnicas, é essencial reforçar a governança da água, alicerce de qualquer estratégia resiliente, promovendo uma articulação mais eficaz entre entidades públicas, privadas e reguladoras. A definição clara de responsabilidades, a transparência na gestão e a capacitação institucional são pressupostos inalienáveis para garantir que as soluções sejam sustentáveis, equitativas e alinhadas com objetivos de longo prazo.
Um exemplo concreto desta abordagem é o novo modelo de gestão da água na Zona Industrial e Logística de Sines (ZILS), onde a Águas de Santo André passou a ser, a partir de fevereiro deste ano, o operador único responsável por todo o ciclo urbano da água, incluindo abastecimento, saneamento e reutilização. Esta solução integrada permitirá ganhos significativos em eficiência, segurança hídrica e sustentabilidade, reforçando a resiliência de uma zona industrial estratégica para o país.’
A transição para modelos de economia circular é frequentemente apontada como parte da solução. Que papel pode ter a inovação e a colaboração entre empresas, escolas de negócios e entidades públicas na promoção de soluções sustentáveis para a gestão da água?
ACR: ‘A transição para uma gestão circular da água exige colaboração e articulação entre empresas, academia e entidades públicas, processo onde a inovação desempenha um papel fundamental. Esta rede de cooperação é essencial para escalar soluções sustentáveis e garantir que a gestão da água se torne um pilar estratégico transversal.
A inovação tecnológica, como sistemas inteligentes de controlo de perdas (ex. WONE da EPAL) ou projetos como The Linear Path to Circularity, demonstra o potencial transformador da engenharia aplicada à água. Este último, desenvolvido pela Águas do Tejo Atlântico (Grupo AdP), representa uma mudança de paradigma que transforma o tratamento linear de águas residuais num processo circular, onde a água reciclada, os nutrientes e a energia gerada são reaproveitados como matérias-primas para usos urbanos, agrícolas e industriais. Este projeto tem sido internacionalmente reconhecido pela sua capacidade de promover uma utilização responsável da água e de inspirar novas práticas sustentáveis.
As escolas de negócios têm aqui um papel crucial na formação de líderes capazes de integrar a sustentabilidade hídrica nas suas estratégias empresariais. A partilha de conhecimento e a criação de redes colaborativas são o caminho para uma economia verdadeiramente circular, de que é exemplo a Pós-Graduação em Tecnologias e Gestão da Água, promovida pela Academia das Águas Livres em parceria com a Nova SBE, que já referi anteriormente, que capacita profissionais com competências técnicas e de gestão orientadas para a criação de valor no setor da água.
Efetivamente, a articulação entre empresas, instituições de ensino e entidades públicas permite desenvolver soluções adaptadas às realidades locais, escalar boas práticas e consolidar uma cultura de inovação orientada para a sustentabilidade hídrica.’
Do ponto de vista da educação e da formação de líderes empresariais, que competências considera fundamentais para que os gestores de hoje integrem eficazmente a sustentabilidade hídrica nas suas estratégias de negócio?
ACR: ‘Os gestores atuais precisam de dominar competências em gestão integrada de recursos, literacia hídrica, inovação tecnológica e liderança ética. A capacidade de tomar decisões baseadas em dados, compreender os impactos ambientais e sociais da sua atividade, e promover uma cultura organizacional orientada para a sustentabilidade são hoje atributos indispensáveis.
Este movimento é cada vez mais impulsionado pela regulação comunitária, que exige às empresas maior transparência na gestão dos recursos naturais. Diretivas como a Corporate Sustainability Reporting Directive e a Corporate Sustainability Due Diligence Directive estão a promover a adoção de métricas como a pegada hídrica e a valorização da água como ativo estratégico, incentivando os gestores a integrar a sustentabilidade hídrica nas suas decisões de negócio.
A formação contínua e o contacto com casos reais são ferramentas poderosas para capacitar líderes com uma visão integrada e orientada para a criação de valor sustentável no setor da água. Esta abordagem está em sintonia com a Estratégia Nacional Água que Une, que destaca a inteligência na gestão da água como um dos seus pilares, promovendo o uso de tecnologias avançadas, dados fiáveis e conhecimento aplicado para transformar a forma como a água é gerida em Portugal.’
Como podem contribuir eventos como o da AESE destinados entre líderes e gestores de Alta Direção a tomarem decisões mais sustentáveis e competitivas, em relação à gestão da água?
ACR: ‘Estes eventos são espaços privilegiados para a reflexão estratégica e a partilha de experiências. Ao reunir líderes de diferentes setores, criam-se pontes entre conhecimento técnico, visão empresarial e políticas públicas. São momentos que ajudam a transformar informação em ação, promovendo decisões mais sustentáveis, competitivas e alinhadas com os desafios do nosso tempo.
A valorização da água como ativo económico – evidenciada no estudo “O valor económico da água em Portugal” da Universidade Católica – reforça a necessidade de integrar esta dimensão nas decisões empresariais. O estudo demonstra que a água tem um papel transversal na economia portuguesa, com impacto direto em setores como a agricultura, a indústria e o turismo, e que a sua gestão eficiente é determinante para a competitividade e a sustentabilidade.
Eventos como os da AESE permitem precisamente essa articulação entre conhecimento económico, visão estratégica e responsabilidade ambiental, promovendo uma cultura empresarial mais consciente e preparada para os desafios da transição climática.’