Agostinho Abrunhosa
Membro da Direção, Diretor do AESE Executive MBA e Professor de Operações, Tecnologia e Inovação
IA ao serviço do Setor Social
A inteligência artificial (IA) está a transformar silenciosamente o terceiro setor, criando oportunidades para organizações sem fins lucrativos, instituições sociais e profissionais dedicadas a causas humanitárias. Num estudo 39% dos entrevistados de organizações sem fins lucrativos disseram que seu principal objetivo com a IA generativa é melhorar a eficiência [1] .
Mais do que uma promessa tecnológica, a IA pode ser uma aliada estratégica, capaz de reforçar o impacto social e devolver tempo ao contacto humano – o verdadeiro coração do setor.
Uma parceria necessária: humanos + máquinas
Ao contrário do receio de substituição, a IA no setor social deve ser vista como parceira. Tal como defendem Daugherty e Wilson em Human + Machine [2] , o futuro do trabalho reside na colaboração simbiótica entre pessoas e máquinas. No contexto social, onde a empatia e o contacto humano são insubstituíveis, a IA pode automatizar tarefas administrativas, otimizar recursos e fornecer análises de dados que apoiam decisões estratégicas.
Por exemplo, organizações que apoiam populações vulneráveis podem utilizam IA para analisar grandes volumes de dados sociais, identificar padrões e sugerir planos de intervenção personalizados. O resultado? Mais tempo para o trabalho de proximidade e maior eficácia nas respostas sociais.
O Hospital Huaxi, um dos maiores da China, é um exemplo de como a IA pode ser aplicada em larga escala no setor social. A instituição utiliza IA para diagnósticos médicos mais rápidos e precisos, gestão eficiente de pacientes e apoio ao corpo clínico, demonstrando o potencial da tecnologia para ampliar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde.
Desafios éticos e inclusão
Apesar das vantagens, a integração da IA no setor social traz desafios significativos. Questões como privacidade, enviesamento algorítmico e transparência são especialmente críticas quando se lida com populações vulneráveis. A IA pode amplificar preconceitos existentes ou gerar “alucinações” — informações falsas ou imprecisas — que afetam decisões sobre distribuição de recursos ou triagem de casos.
Outro obstáculo é a inclusão digital. Nem todas as organizações sociais têm acesso fácil a tecnologias avançadas, sendo necessário investir em formação e infraestruturas para democratizar o uso da IA. Em Portugal, 83% dos profissionais já utilizam IA em contextos pessoais e profissionais, mas apenas 24% referem receber formação adequada, e 66% desejam mais capacitação. Políticas públicas de apoio são, por isso, essenciais para garantir que o progresso tecnológico não aprofunda desigualdades.
Além disso, a governação dos sistemas de IA e as auditorias éticas desempenham um papel fundamental para garantir que a tecnologia é utilizada de forma transparente, responsável e alinhada com os valores do setor social.
Exemplos concretos de IA
A transformação está em curso. Plataformas de atendimento social recorrem a chatbots com IA para responder a dúvidas frequentes, captar necessidades imediatas e orientar beneficiários para os serviços adequados. O caso BC Cancer, usado na AESE, ilustra como um chatbot pode oferecer apoio 24 horas por dia a doentes oncológicos, otimizando recursos e ampliando o alcance do serviço.
Em Portugal, algumas instituições sociais já aplicam sistemas preditivos para identificar zonas de maior vulnerabilidade, otimizando campanhas de apoio e direcionamento de recursos. Softwares baseados em IA cruzam bases de dados económicas e demográficas para prever necessidades emergentes e adaptar respostas, reduzindo desperdícios e aumentando a precisão das intervenções.
Ferramentas indispensáveis
A adoção de IA no terceiro setor é facilitada por uma variedade de ferramentas acessíveis [3]. Plataformas de automação de marketing maximizam campanhas de sensibilização e angariação de fundos. Ferramentas de análise e visualização de dados permitem monitorizar o impacto das atividades. O processamento de linguagem natural melhora a análise de texto, a elaboração de relatórios automáticos e até a tradução simultânea, facilitando a comunicação em contextos multilíngues.
Um caso prático é a utilização de IA para segmentar doadores com base nos seus interesses e históricos de envolvimento, aumentando a eficiência das campanhas e criando uma relação mais próxima e duradoura com os apoiantes.
O futuro do trabalho social
Olhando para o futuro, vislumbra-se um setor social onde os profissionais dispõem de soluções que amplificam as suas capacidades, permitindo-lhes lidar com situações complexas, tomar decisões mais informadas e manter o contacto humano que caracteriza o trabalho social. A IA, longe de substituir, expande as potencialidades humanas e adapta-se continuamente às necessidades das organizações e das comunidades, tal como referido no livro The Age of AI [4].
Conclusão
A inteligência artificial é uma ferramenta transformadora para o setor social, capaz de otimizar recursos, personalizar intervenções, melhorar o relacionamento com beneficiários e doadores, e amplificar o impacto. Com exemplos práticos e ferramentas acessíveis, aliada a uma reflexão ética constante, a IA pode tornar-se uma aliada estratégica para gerar mudanças sociais significativas.
No equilíbrio entre tecnologia e humanidade reside o verdadeiro valor da IA no terceiro setor: potenciar o trabalho humano para construir uma sociedade mais inclusiva, eficiente e solidária, onde a inovação serve o bem comum.
[1] https://www.avanade.com/pt-br/insights/generative-ai-readiness-report/nonprofit-ai-report
[2] Daugherty, P. & Wilson, H. J. (2018). Human + Machine: Reimagining Work in the Age of AI.
[3]https://doare.org/artigo/inteligencia-artifical-no-terceiro-setor ; https://clickup.com/pt-BR/blog/113704/ferramentas-de-ia-para-organizacoes-sem-fins-lucrativos ;
[4] Henry Kissinger, Eric Schmidt, and Daniel Huttenlocher (2021). The Age of AI: And Our Human Future.
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