Da “espuma dos dias” tentamos separar o essencial do acessório, sendo por vezes difícil identificar o que realmente nos interessa, aquilo que é central à nossa vida e ao impacto que as nossas decisões diárias têm em tudo o que nos rodeia. Como líderes, sabemos que temos responsabilidade acrescida e que as nossas decisões (ou a falta delas) têm uma amplitude maior.
Estamos a viver tempos de disrupção. Tecnológica, cultural, geracional, social e económica. Tudo isto, ao mesmo tempo. Vivemos em pleno emprego, com falta de talento para o tanto que temos de fazer e construir. Vivemos uma (r)evolução tecnológica que, por um lado, exige competências raras disponíveis, por outro, irá provocar a substituição de outras que tenderão a tornar-se banais e, até, dispensáveis em seres humanos. O desafio de sabermos viver neste novo paradigma é enorme, num momento em que o Planeta também dá sinais claros de saturação da atividade humana. É preciso mudar, de forma sustentável e responsável, enquanto permitimos que mais povos consigam atingir um patamar de desenvolvimento digno da sua condição e, obviamente, da sua ambição.
Cabe aos líderes definir a visão e comunicá-la de forma clara e definida, mas também mais alinhada com estas disrupções, sempre com grande sentido de humanidade. Por vezes, se não todas as vezes, basta fazer o que é correto do ponto de vista ético, para além do que é mais racional. Na mudança geracional que estamos a viver, o trabalho, e a sua organização, está a ser confrontado com novos desafios que são transversais a todas as gerações.
É socialmente responsável combater o idadismo – que inclui a discriminação a pessoas de acordo com a idade e que pode ser a nível institucional, mas também interpessoal –, devendo as empresas (bem como outras organizações criadoras de emprego) unir esforços e desenvolver estratégias que permitam essa inclusão geracional.
No campo emocional, a relação das pessoas com as empresas, enquanto organizações humanas com o propósito da criação de valor, continua com princípios essenciais – o sentido de realização, a ambição de crescer e de desenvolver, de atingir objetivos válidos. No campo transacional, talvez estejamos a assistir a algo diferente, mais frio e distante, com menor capacidade de vincular. Os níveis de rotação de pessoas estão muito elevados, talvez como nunca estiveram antes. Fala-se em “great resignation” e também em “quiet quitting” e as lideranças estão a tentar perceber o significado desses comportamentos, aparentemente, inesperados.
As respostas são diversas, por vezes difusas, mas eventualmente sem atender ao essencial. Revisões salariais, formação, gamificação de carreiras, programas de well being, cafés, fruta, mesas de ping-pong, matraquilhos e consolas, modelos de trabalho flexível, em parte no escritório, em parte remoto, mais férias, dias de aniversário, chocolates e brindes, e tudo o mais que tenha potencial de aumentar o vínculo com a empresa. Tudo isso muito racional, essencialmente focado no transacional.
Há vários anos percebemos a importância de definir um propósito. Estamos aqui, reunidos em “comunhão laboral”, para fazer exatamente o quê? E para quem? Atendemos também na relevância de ter um conjunto de valores que definissem, por assim dizer, a forma de estar, de fazer, de ser, de viver, da empresa. Ambas as definições como elementos essenciais para vincular alguém ao projeto empresarial, para dar sentido de existir enquanto tal. Mas isso não basta. Fazer o correto começa por ser consistente entre o que definimos e o que fazemos no dia-a-dia. Neste tempo em que o grau de exposição é enorme, a liderança pelo exemplo assume um papel crítico na gestão de pessoas. Estamos em permanente avaliação por quem nos rodeia, sendo essa pressão evidente em setores mais pressionados pela escassez de talento.
A maior diversidade nas equipas é também um fator de pressão adicional, sendo a cultura influenciada por elementos que antes estavam organizados de forma diferente, até em termos geográficos. Respeitando condição de género, religião e outros, numa simbiose de índole humana pouco vista na história das organizações empresariais, mais acostumadas a agrupamentos homogéneos e mais fáceis (?) de controlar e orientar (gerir), as empresas dos tempos modernos são organizações complexas, em permanente mutação, sendo autênticos laboratórios para sociólogos e outros curiosos.
Em Portugal estamos bem dentro desta nova realidade. Confrontados com uma eterna posição geográfica supostamente menos favorável, sendo noutros tempos uma óbvia vantagem, temos como desafio principal a diferenciação positiva. Fazer melhor determinadas atividades, sem competir por preço, mas sim por valor, por marca e por excelência. Sentimos isso em determinados setores, com determinadas empresas e marcas. Mesmo quando é de fora que vem o que é preciso para mudar cá dentro, podemos atingir esse desígnio. Talvez nos faça falta descrever uma visão ou definir qual o nosso propósito, que nos ajude a distinguir o essencial do acessório, em particular quando a “espuma dos dias” assentar e ficar bem visível quem e como somos.
Este artigo faz parte do tema de capa “Human Leadership: Reset, Rebirth and Reinvent Ourselves” publicado na edição de verão da revista Líder.
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