Cátia Sá Guerreiro
Professora de Fator Humano na Organização, Diretora do Programa de Gestão das Organizações Sociais | GOS e do Programa Liderança no Feminino | OSA
Na reta final de 2022 vivenciei um episódio do qual tiro pelo menos a lição de que, quando nos expomos retoricamente em ambientes distintos, devemos manter uma coerência de discurso – ou então conseguir mostrar que ela existe mesmo que o não pareça. Enquadrado no meu trabalho em Cooperação Internacional, participei num painel, num evento em contexto académico, onde foram debatidos os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Falei sobretudo das métricas dos ODS e do seu impacto a nível global. Daí a poucos dias, na AESE, ministrei uma aula em matérias de Sustentabilidade (ESG). Curiosamente, um participante esteve presente em ambas as assistências. Com simpatia, e ousadia também, perguntou-me no fim: “Professora, afinal em qual das métricas se move, na dos ODS ou na de ESG?” Este episódio levou-me à necessidade de contextualizar estes dois desafios globais. Será que falamos deles em cenários distintos? Ou eles interagem em todas as realidades? Concretamente nas empresas, falamos de ODS e/ou de ESG? ESG e ODS percorrem caminhos que se cruzam, mas não são sinónimos.
Em 2005 Kofi Annan fala pela primeira vez em ESG (Environmental, Social, Governance), sigla que no mercado financeiro sintetiza uma série de critérios de conduta que devem ser adotados pelas empresas para atraírem investidores socialmente conscientes. Com recursos a indicadores de cada uma das três áreas é possível verificar se a empresa é saudável e lucrativa financeiramente e consciente a nível social e ambiental. Assim, os critérios ambientais indicam o comportamento da empresa em relação aos problemas ambientais como mudanças climáticas, esgotamento de recursos, tratamento de resíduos e poluição; os critérios sociais indicam como a empresa gere o relacionamento com os seus colaboradores, fornecedores, clientes e comunidade em que se insere e inclui questões de saúde e segurança; e os de Governance referem-se a políticas empresariais e de governo empregues, incluindo estratégia tributária, remunerações, liderança da empresa, direitos dos sócios e acionistas, e aspeto estruturais ou de corrupção [1]. Apesar do descrédito de alguns, o certo é que os indicadores ESG se tornaram um dos fatores que os investidores mais consideram no momento de investir o seu capital. Moda ou não, o tema da sustentabilidade é hoje transversal a qualquer abordagem de mercado, um pouco por todo o mundo.
A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada por todos os Estados-Membros das Nações Unidas em 2015, define as prioridades e aspirações do desenvolvimento sustentável global para 2030 e procura mobilizar esforços globais em torno de um conjunto de 17 objetivos (ODS) e 169 metas comuns [2]. Trata-se de uma agenda universal que pressupõe a integração dos ODS nas políticas, processos e ações desenvolvidas nos planos regional, nacional e global, constituindo um plano de ação para eliminar a pobreza extrema e a fome, oferecer educação de qualidade ao longo da vida para todos, proteger o planeta e promover sociedades pacíficas e inclusivas até 2030. Neste plano de ação é reconhecido que a erradicação da pobreza e de outras privações deve ser acompanhada de estratégias que melhorem a saúde e a educação, reduzam a desigualdade e estimulem o crescimento económico, ao mesmo tempo que combatam as alterações climáticas e preservam os ecossistemas. Em síntese, desde 2015 estão fixadas metas de sustentabilidade com foco em áreas críticas para a humanidade, estruturadas em torno de 5 Ps: Planeta, Pessoas, Prosperidade, Paz e Parcerias. Embora o grande esforço na implementação da Agenda 2030 esteja a cargo dos governos, o setor privado é fundamental para a sua concretização. Sem um envolvimento crescente das empresas, bem como sem empenho e ação efetiva, não será possível atingir os objetivos de sustentabilidade estabelecidos a nível global [3l. Por outro lado, as empresas e negócios podem também usufruir de oportunidades de mercado, gerir riscos e continuar a operar em sociedades prósperas que os ODS originam [4].
Facilmente se depreende então que os ODS têm uma aplicação ampla, direcionada a toda a sociedade, numa perspetiva de sustentabilidade global; enquanto os ESG estão direcionados para o ambiente empresarial. Sendo estratégicos e complementares lançam desafios distintos. Uma das formas de os podermos cruzar é verificar como a maioria dos ODS tem implicações em ESG – os 17 ODS podem impactar um ou mais dos três critérios ESG. (fig)
Muitas empresas abraçam já o desafio de incorporar estes conceitos, suas estratégias e métricas nos planos de ação. Outras desejam fazê-lo, mas o tema parece tão complexo que fica perdido, sem se saber por onde começar.
Em início de ano, fica a sugestão da ousadia. A ousadia do meu aluno: questionar. Não um questionar para contrapor, mas para procurar saber mais e fazer melhor. A sustentabilidade tem de ser mais que uma moda. Deve tornar-se uma prioridade. Para todos. Há contrassensos… muitos… falamos de um mundo global em torno de parcerias para o desenvolvimento e assistimos a guerras em direto. Falamos de critérios de Governance e reconhecemos tanto antagonismo na sua prática. Falamos de práticas de sustentabilidade ambiental e assistimos à produção e consumo de produtos altamente nefastos para o ambiente. Mas temos de começar por algum lado e por alguém. Porque não por si, pelas suas escolhas, pelas opções estratégicas da sua empresa? Ou por mim…
[1] https://impactosocial.esolidar.com/pt-pt/2020/11/09/o-que-sao-os-indicadores-esg-2/
[2] https://ods.pt/ods/
[3] https://ods.pt/empresas/#empresas_e_os_ods
[4] https://ods.pt/empresas/
fig. Berenberg. Understanding the SDGs in Sustainable Investing; Joh. Berenberg, Gossler & Co. KG: Hamburg, Germany, 2018
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Professora de Fator Humano na Organização e Dean da AESE Business School
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