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Rui Santos Ivo

Rui Santos Ivo, Presidente do INFARMED

Alumnus do PADIS

Desde muito cedo ligado ao medicamento, Rui Santos Ivo construiu uma carreira da Farmácia à Medicina, do Direito à Economia, entre outras áreas, que lhe permitiu uma visão de 360.º. Hoje o Alumnus AESE do PADIS -Programa de Alta Direção de Instituições de Saúde, é Presidente do INFARMED, instituição na qual ingressou em 1993. Líder de várias entidades e projetos de âmbito nacional e internacional, lembra a virtude de se dever preservar a “humildade intelectual”.


Quais os principais marcos na sua trajetória académica e profissional, que contribuíram para chegar à posição de Presidente do INFARMED?
Em 1987, quando me licenciei em Ciências Farmacêuticas, pensava que voltaria às minhas origens, mas quis o destino que a Universidade me abrisse outras perspetivas. O meu envolvimento na Associação de Estudantes (AEFFUL) e em tantas outras iniciativas, desde a Associação Académica de Lisboa às associações internacionais de estudantes de farmácia – à época, o Comité Europeu de Estudantes de Farmácia e a Federação Internacional de Estudantes de Farmácia (IPSF) –, rapidamente abriram os meus horizontes e passei a querer ter uma perspetiva mais alargada da profissão, que pudesse contribuir para ajudar a construir o sistema que gira à volta do medicamento. Este período tão diversificado e rico, quer no plano nacional, quer internacional, permitiu envolver-me com uma diversidade de matérias, desde a Farmácia à Medicina, desde o Direito à Economia, desde a Agronomia ao Técnico, e permitiu-me criar laços com muitos dos protagonistas da atualidade a nível nacional e internacional, e, por isso, influenciou o meu percurso de forma indelével.
O meu percurso profissional iniciou-se em Farmácia Hospitalar, tendo ingressado no Hospital Egas Moniz (hoje integrado no CHLO), em 1987, após o meu estágio em farmácia de oficina (Farmácia Sanex, em Lisboa) e em farmácia hospitalar (Hospitais Civis de Lisboa, tendo percorrido os ainda existentes Hospitais de São José, Capuchos, Santa Marta e Curry Cabral, hoje parte do CHULC). E é como farmacêutico hospitalar que me sinto. É a minha base, a minha matriz.

Mas, é verdade, que todas estas vivências me “puxaram” para procurar a tal visão de helicóptero, de 360.º. Passar para a área regulamentar surgiu como natural. Não podemos esquecer que, em 1984, tinha sido criada a Direção-Geral de Assuntos Farmacêuticos; em 1986, Portugal adere à então CEE e, em 1991, passa a estar abrangido pela legislação farmacêutica europeia (após 5 anos de derrogação). Em 1993 é criado o INFARMED, portanto, surge aqui a oportunidade única de iniciar uma carreira que junta a minha base de formação aos meus conhecimentos que tinha adquirido das minhas vivências a nível europeu e internacional. Foi assim, que, em vésperas da criação da Agência Europeia de Medicamentos, em maio de 1993, ingresso no INFARMED, ao mesmo tempo que a minha colega Sofia Vassangi. Desde então o meu percurso foi predominantemente o de regulador, a nível nacional ou europeu, partilhado com a atividade de Professor Auxiliar Convidado na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa desde 2009.

Ao longo do seu percurso profissional, são várias as conquistas que podemos destacar. De 2002 a 2005, foi membro do Conselho de Administração da EMA, tendo sido também o primeiro presidente do Grupo de Coordenação das Autoridades do Medicamento da União Europeia.

 

Quais foram as principais conquistas alcançadas ao longo desses anos?

Essas funções surgem, em boa parte, do meu percurso anterior e foi um enorme privilégio exercer tais cargos, para os quais contei com o apoio dos meus colegas europeus. Desde a Comissão Europeia, à Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e às várias agências nacionais, foi um período muito estimulante, de grande construção, com o grande alargamento da União Europeia à antiga Europa de leste, à grande revisão da legislação farmacêutica europeia. Liderámos muitos projetos, por exemplo, a criação de uma base de dados europeia de medicamentos, a cooperação na área de preços com OMS, a criação do grupo de Coordenação das Agências… ao qual tive a honra de presidir enquanto primeiro chair.

Da mesma forma, valorizo muito os desafios profissionais que me têm sido colocados no âmbito da Administração Pública. Para além do meu percurso que passou essencialmente por esta casa (INFARMED) tive a oportunidade de presidir a Administração Central do Sistema de Saúde.


Quais as principais lições que retirou dessas experiências, que o tornam no dirigente que é hoje?

Tenho conhecido realidades em outros países, e sem querer ignorar as carências e dificuldades que enfrenta o nosso SNS, tenho de sublinhar o nível e serviço do SNS português e a evolução que tem tido nos cuidados aos doentes, mas também no seu desenvolvimento organizacional. Por exemplo, ao nível dos sistemas de informação e da partilha de dados, o nível que atingimos em Portugal rivaliza em patamares cimeiros com toda a Europa. Ter esta perspetiva é importante porque tendemos a minimizar o que de bom fazemos, e apenas a sublinhar o que de mau acontece.

Sobretudo, o que pretendo enquanto profissional é conseguir servir melhor o meu País e que as nossas instituições de saúde prestem o melhor serviço público aos meus concidadãos, quer a nível nacional, quer europeu. E essa busca permanente esteve presente em todas as atividades e projetos que desenvolvi, nos cargos que desempenhei, e naquilo que procurei estimular nas minhas equipas.

O meu percurso ajudou-me muito a ter horizontes diversificados, e por isso a ter uma perspectiva aberta e colaborativa, postura que procuro incutir nos meus colegas e colaboradores.


Quais os valores pelos quais se rege e que transmite às suas equipas?

Cada vez mais é importante que, a par de uma base sólida de formação, se procurem obter os demais skills de adaptabilidade e networking social. Um profissional nunca estará completo se não aliar à técnica a humanidade. No que respeita a valores, salientaria o espírito de equipa, a autonomia, a capacidade de liderança, e a vontade de inovar. Uma procura incessante por resultados e pelo concreto, alicerçado na lealdade e ética profissional.

Sendo que, na realidade em que vivemos atualmente, com novos desafios e dificuldades, é fundamental garantir a coesão das equipas e procuro estar atento ao bem-estar das pessoas com quem trabalhamos. Felizmente tenho tido a sorte de trabalhar com profissionais competentes e que simultaneamente procuram ter um papel ativo enquanto agentes de Saúde Pública. Valorizo muito a postura de autorresponsabilização, autonomia, e a adesão aos princípios das instituições em que nos encontramos.

Parece-me particularmente importante reconhecer o forte contributo que todos os profissionais que trabalham no INFARMED têm dado para que, num tempo que é particularmente difícil e exigente, seja possível garantir aos nossos concidadãos a prestação dos adequados serviços de saúde.


Se pudesse recuar no tempo, o que faria diferente?

Sendo uma impossibilidade, o importante é percebermos se as escolhas que fazemos podem ter melhores bases para futuras decisões, ou seja, é importante tornar o processo de decisão o mais robusto possível, de forma a escolhermos as melhores opções, conforme o cenário com que nos deparamos. Obviamente que depois de tomarmos uma certa decisão, podemos sempre pensar que poderíamos ter ido por outro caminho, mas não tendo todas as respostas de forma antecipada, é importante estarmos rodeados de colaboradores que sejam uma mais-valia nas suas áreas de intervenção e que possam dar esse suporte. Em relação ao Infarmed, é o que acontece, com os colaboradores a terem um nível de conhecimento de excelência, o que torna o momento da decisão, não mais fácil, mas com maior e melhor informação. No entanto, nunca me ouvirá dizer que não teria feito diferente com informação diferente. Acho que devemos preservar essa humildade intelectual.


Profissionalmente, como se vê daqui a 5 anos? Sente que ainda há muito a fazer enquanto presidente do INFARMED?

Diria que neste momento é bastante difícil fazermos previsões a 5 anos. O mundo está em constante mudança e a pandemia veio alterar muitas realidades. Da mesma forma que não me foi possível prever que neste mandato enquanto presidente do INFARMED estaríamos a enfrentar uma pandemia desta dimensão, não é fácil prever o meu futuro profissional. Neste momento, o meu foco é contribuir para que consigamos cumprir com os objetivos que definimos para este mandato, sem deixar de dar resposta aos novos desafios que surgiram. E estes estão, claro, na primeira linha: responder ao que os nossos concidadãos necessitam de nós.

Quando iniciámos o mandato pretendíamos sobretudo estar o mais próximo possível de todos quantos são os destinatários dos nossos serviços, respondendo às necessidades de cada um, promovendo o acesso aos medicamentos e contribuindo para a sustentabilidade do SNS. No entanto, com o surgimento da pandemia de COVID-19 tivemos de adaptar algumas das prioridades que definimos, uma vez que se tornou prioritário contribuir para que seja dada a melhor resposta possível ao combate a este vírus devastador, designadamente no que concerne às terapêuticas e às vacinas e à conjugação de evidência para apoiar a tomada de decisão política.

Agora de uma coisa estou certo: há sempre muito a fazer e, sobretudo, para quem como eu sente enorme motivação em contribuir de forma muito direta para o serviço aos cidadãos. Portanto, o que quer que seja que os próximos cinco anos reservem, podem contar comigo para continuar a prosseguir esse caminho.


De que forma é que a COVID-19 veio alterar as prioridades que definiram no início do mandato? Como está o INFARMED a reagir a esta nova realidade?

O impacto da COVID-19 desafiou-nos a procurar e a encontrar soluções inovadoras para as novas necessidades do sistema de saúde, e do SNS em particular e, nesse sentido, foram assumidas medidas imediatas e inovadoras para dar resposta efetiva às necessidades do doente e dos seus cuidadores.

A crise gerada pela COVID-19 veio também reforçar a ação conjunta por parte das instituições europeias e entre os Estados-membros, que desencadearam mecanismos de combate e apoio a vários níveis. O processo de aquisição de vacinas para a COVID-19, em Portugal e em toda a União Europeia, decorre de uma estratégia concertada a nível europeu, visando garantir o acesso equitativo a todos os cidadãos, que passou e passa necessariamente pelo apoio europeu ao desenvolvimento e produção de vacinas e assim assegurar a disponibilidade de vacinas seguras e eficazes.

O INFARMED tem desenvolvido o seu trabalho conjuntamente com a Agência Europeia do Medicamento e com as Agências dos restantes Estados Membros, mas também em alinhamento com o Ministério da Saúde e com as restantes entidades nacionais. Estamos a ultrapassar um ano com inúmeros desafios, que não passam exclusivamente pela gestão da pandemia de COVID-19.

Tudo isto implicou uma capacidade de adaptação muito importante, desde a tecnologia às pessoas, com o teletrabalho a ser a forma de darmos resposta às nossas actividades. Posso dizer que os nossos serviços de Sistemas de Informação e os nossos mais de 350 trabalhadores souberam assumir o novo «normal» e dar a melhor resposta, assumindo também o compromisso para com um dia a dia sempre marcado pela imprevisibilidade.


E quais são esses outros desafios a que se refere? 

Posso eleger a Presidência de Portugal do Conselho da União Europeia, sendo uma das prioridades o acesso sustentável, equitativo e universal a medicamentos. Esta prioridade implica lidar com os desafios da sustentabilidade, da disponibilidade e da acessibilidade no setor dos medicamentos, e representa uma preocupação europeia e nacional.

Ainda no decorrer deste desafio iremos organizar, em abril, uma Conferência de Alto Nível para a discussão e aprofundamento da temática da disponibilidade de medicamentos, associado a outros grandes temas da atualidade como a acessibilidade e sustentabilidade.

São temas incontornáveis no presente e no futuro próximo, tornados mais evidentes pelaCOVID-19: a disponibilidade de medicamentos, dos dispositivos médicos, o acesso aos medicamentos, e a avaliação de tecnologias de saúde.

E claro, assumindo o princípio de que qualquer crise traz oportunidades, devemos no momento adequado do futuro próximo, avaliar esta vivência e tirar os devidos ensinamentos.

Para quem, como eu, se tem dedicado à regulação da saúde e do medicamento ao longo da sua atividade profissional, interessa-me sobretudo olhar para as mudanças que o que aprendemos ou tivemos de aprender nos traz.

As experiências colaborativas, a necessidade de adaptação rápida, as novas modalidades de avaliação dos medicamentos, as grandes mudanças no seu processo de desenvolvimento e aprovação, o papel das plataformas de dados em saúde, são factos que devermos debater.

E que Europa da saúde poderemos ter, quando tal área cabe aos Estados-membros, mas a pandemia mostrou que se o soubermos fazer, há uma mais valia grande em contar com a Europa para todos.

E, claro, a política e a sociedade serão outras. Eu desejo que mais orientadas para os cidadãos, para todos nós.

Como afirmei, recentemente, «aquilo que a emergência uniu, não deve ser desperdiçado».

 

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