Luís Cabral
Professor da Universidade de Nova Iorque e colaborador da AESE Business School e da Nova SBE
Rendas controladas, Incentivos e Escolhas
O controle de rendas é um dos casos em que uns ganham e outros perdem — e a evidência sugere fortemente que o ganho dos que ganham é menor do que a perda dos que perdem
Infelizmente, o problema da habitação não é um problema exclusivo de Portugal. Felizmente, assim podemos aprender alguma coisa com a experiência dos outros. Hoje escrevo sobre três cidades americanas com problemas semelhantes mas resultados diferentes.
Comecemos com São Francisco. Os economistas Rebecca Diamond, Tim McQuade e Franklin Qian estudaram uma medida tomada em 1994 que expandiu o âmbito do controle de rendas. O motivo por que este estudo é particularmente interessante é que, devido ao trabalho herculano dos autores, dispomos de dados muito pormenorizados e ao longo do tempo, dados que nos permitem analisar com algum rigor o efeito do controle de rendas (e não apenas uma série de correlações).
Entre as conclusões do estudo destaco que a oferta de casas para arrendar diminuiu 15%. Por esse motivo, o controle de rendas levou a um aumento do valor das rendas, especialmente os novos contratos. Uma das implicações do sistema de São Francisco foi a criação de um mercado dual. Isto leva-me ao segundo exemplo, Nova Iorque. Em 2025, a renda mediana dos novos contratos de arrendamento era superior a 4000 dólares. No entanto, a mediana de todos os contratos (incluindo os contratos sujeitos a controle) era cerca de 1650 dólares. Por padrões portugueses, 1650 dólares é um valor astronómico, mas mesmo assim muito inferior a 4000 dólares.
Os sortudos que conseguiram arrendar por algumas centenas de dólares acham ótimo que haja controle de rendas. Os que procuram casa em Nova Iorque não acham piada. Infelizmente, nem sempre os que têm rendas controladas são os que mais precisam. Por exemplo, nos anos 90 a atriz Mia Farrow vivia num apartamento com renda controlada, um T11 no Central Park (não é gralha, é mesmo um apartamento com 11 quartos).
Os leitores portugueses provavelmente reveem-se nestas experiências americanas. Os níveis são diferentes, mas os problemas são semelhantes. Em 2021, e segundo o Instituto Nacional de Estatística, a renda mediana em Portugal era de €334. O valor mediano dos novos contratos, por sua vez, era €8,22 por metro quadrado no primeiro trimestre de 2025, o que corresponde a cerca de €740 por unidade média, isto é, o dobro do valor para todo o stock de casas arrendadas.
Voltando ao caso americano, e para não ser só exemplos negativos, refiro o caso interessante de Nova Rochelle, uma povoação com cerca de 100 mil habitantes. Localizada 30 km a norte de Nova Iorque, a população inclui tanto pessoas que trabalham ali como pessoas que trabalham em Nova Iorque (mais ou menos como Cascais e Lisboa). Nos últimos anos, a Câmara de Nova Rochelle tem fomentado a oferta de novas unidades não só com incentivos fiscais, mas também — diria principalmente — facilitando o processo de construção. Os processos urbanísticos, ambientais, etc., são particularmente rápidos. O governo local garante um prazo de 90 dias para aprovação de novos projetos!
O resultado da política de oferta é que, enquanto em Nova Iorque as rendas sobem e sobem (tal como em Lisboa), em Nova Rochelle e entre 2020 e 2023 baixaram 2%.
Que lições podemos tirar destes exemplos? Primeiro, muitas vezes regular um mercado leva à destruição desse mercado. Segundo, manter alguns preços artificialmente baixos para alguns leva a preços anormalmente elevados para outros. Terceiro, o termo correto é “oferta e procura”, não “oferta ou procura”: se não há mais casas disponíveis, por mais controles que façamos não há casas que cheguem.
Tal como o caso das tarifas alfandegárias, de que tratei no artigo do mês passado, o controle de rendas é um destes casos em que uns ganham e outros perdem — e a evidência sugere fortemente que o ganho dos que ganham é menor do que a perda dos que perdem. Se os que ganham fossem os mais carenciados, poderíamos admitir esta assimetria de ganhos e perdas como forma de eliminar uma assimetria inicial, mas não há evidência que sugira ser esse o caso.
Tal como no caso das tarifas alfandegárias, estamos perante decisões em que o poder político dos stakeholders — que está longe de ser uniforme — se sobrepõe à racionalidade económica.
Artigo publicado no Expresso >>
Agostinho Abrunhosa
Membro da Direção, Diretor do AESE Executive MBA e Professor de Operações, Tecnologia e Inovação
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Cátia Sá Guerreiro
Professora de Fator Humano na organização e Diretora do Programa GOS | Gestão das Organizações Sociais e do Programa OSA l Líderes no Feminino
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