Pedro Nuno Ferreira
Professor da Área de Política Comercial e Marketing e Diretor do EDGE da AESE Business School
Uma Mobilidade Mais Sustentável e mais Inteligente
A mobilidade vive uma transformação profunda, espelhada na eletrificação, combustíveis alternativos, digitalização e inteligência artificial. Estas inovações deixaram de ser tendências isoladas, são agora peças de uma mudança estrutural que redefine modelos de negócio, cadeias de valor e expectativas dos consumidores.
Uma visão integrada do futuro, ambição com realismo.
Eletrificação: realidade crescente, substituição lenta
A eletrificação já não é promessa, é realidade. Em 2024, os veículos elétricos representaram cerca de 20% das vendas globais, e na União Europeia atingiram 16,4% das novas matrículas (jan–out 2025). Em Portugal, esse valor subiu para 22,5% no início de 2025 (IEA, 2025).
A transição é urgente, mas não será instantânea. transição não será instantânea. O mundo opera com uma frota entre 1,4 e 1,6 mil milhões de veículos (whichcar.com.au). Renovar esta escala leva décadas:
A estratégia não pode ser “tudo elétrico já”, mas sim uma abordagem combinada, que combine a aceleração elétrica acelerar elétricos onde há rede, rendimento e incentivos, e explorar soluções alternativas onde a eletrificação é menos prática, i.e., optimizar e medir as emissões reais evitadas e o impacto por euro investido.
A estratégia europeia deve focar-se no apoio direto? às cadeias de abastecimento de modo a assegurar a competitividade na fase de transição de ICE to BEV mobility (internal combustion engines, motores de combustão interna, battery electric vehicles, veículos eléctricos a bateria).
Combustíveis alternativos: a ponte necessária
Os biocombustíveis, e-combustíveis e hidrogénio de baixo carbono são parte essencial da equação, sobretudo para frotas pesadas, transportes de longo curso, navegação e aviação.
Este tipo de soluções tem grande potencial para reduzir emissões do parque circulante existente, i.e., total de viaturas com motores e combustão interna actualmente a circular, realidade inigualável pelos elétricos, que não o conseguem fazer sem substituir.
Atualmente, o hidrogénio renovável representa menos de 1% da procura total (IEA, 2025) — sinal de que o potencial de crescimento é elevado, mas também de desafio e incentivo ao desenvolvimento desta alternativa, caso seja economicamente viável.
Para ganhar escala, o investimento deve focar-se na redução sustentada de emissões de CO2 e de partículas nas zonas de implementação destes combustíveis, com certificação rigorosa e clareza tecnológica. Num primeiro momento, o hidrogénio, apenas será viável nos pesados e na navegação marítima, uma vez que ainda precisa de escala e estruturação na sua aplicação.
Ritmos diferentes, a mesma ambição
A transição para uma nova mobilidade terá velocidades distintas. Por um lado, nos Ambientes urbanos, com maior densidade e infraestruturas mais maduras, que progridem mais rápido. Por outro, regiões rurais caracterizadas pelas economias emergentes que enfrentam constrangimentos maiores.
Assim, é fundamental investir neste processo de transformação, colmatando as desigualdades geográficas com políticas que reforcem uma rede de carregamento rápida e fiável, o transporte coletivo verde e acessível, o carregamento público a custos acessíveis, os incentivos à transição energética estáveis e direcionados. É igualmente importante fortalecer a formação técnica para reconversão profissional, dando uma utilização aos fundos europeus e nacionais que priorizem a coesão territorial na mobilidade, com um sentido mais verde e moderno, seja nas/nomeadamente nas vias de acesso, na diferenciação positiva pelos impostos, na utilização de mobilidade verde e na alocação das pessoas em zonas fora das grandes metrópoles.
A coesão territorial é tão decisiva quanto a inovação tecnológica e é promotora de um crescimento mais homogéneo.
Novas gerações, novos modelos de mobilidade e a ilusão do carsharing
As novas gerações parecem fazer escolhas de mobilidade com base na conveniência digital -simplicidade e impacto ambiental. Amobilidade passou da garagem para o smartphone, o que obriga a uma integração multimodal, pelas apps únicas e pagamento por utilização.
Mas importa clarificar, ainda que politicamente incorreto, o carsharing, tal como foi promovido na última década, não existe como modelo económico sustentável. Para ter uma oferta free float livre, esta operação tem custos elevadíssimos (e.g., recolha, mise en état recorrente, recarregamento eléctrico), o que obriga a cobrar um preço que os clientes não estarão dispostos a pagar.
Este dilema clássico de desequilíbrio entre oferta e procura é demonstrado pelo facto de que todas as tentativas de car sharing de particulares ou de frotas free float não tiveram grande sucesso, depois de terem sido altamente subsidiadas pelos construtores automóveis quando estes retiraram essa subvenção.
O car sharing funciona em três grandes cidades europeias, Berlin, Paris e Londres, onde densidade, turismo, restrições automóveis e tipologia ideológica da população criam massa crítica. Este cenário não se verifica no resto da Europa, onde os serviços são cronicamente deficitários, e uma vez que não têm sucesso, acabam por desaparecer ou sobreviver enquanto existirem subsídios para os manter.
O carsharing não existe por não ser economicamente rentável e viável, (como indiquei antes, o preço a cobrar que o cliente aceita pagar, não cobre o custo da operação), o que existe com escala é a mobilidade digitalizada, e.g., Uber ou Bolt, não os modelos de partilha de viaturas particulares e “grupagens”/transportes combinados ou frotas free float.
As empresas devem, por isso, ajustar expectativas e orientar investimento para serviços digitais verdadeiramente escaláveis e financeiramente sustentáveis, preferencialmente multimodal, com pagamentos simples e experiência digital fluída que privilegie a eficácia da substituição de viagens em carro privado individual e modelos de negócio sustentáveis não sujeitos a morte económica sem subsidiação.
O Estado, por seu lado deve assegurar uma eficaz, e não bloqueadora, regulação e integração da nova mobilidade com o transporte público, a uma maior organização e regulação da micro-mobilidade, que nas cidades se tornou num problema de segurança pública que obriga ao estabelecimento de regras duras e exigentes para os condutores/utilizadores de bicicletas e trotinetes.
O que falta para a adoção total dos veículos elétricos?
Apesar do crescimento do parque circulante de carros eléctricos e híbridos plug-in, persistem barreiras claras, nomeadamente confiança no carregamento, a rede deve de ser mais rápida, mais densa e mais fiável, a expansão da estrutura de carregamento rápido e lento a preços competitivo e com garantia de disponibilidade e funcionalidade dos equipamentos. O preço inicial e incerteza no usado, bem como o mercado de carros elétricos usados ainda são limitados e deve ser politicamente promovido e apoiado com incentivos financeiros à compra. O custo total da posse é pouco transparente, muitos consumidores continuam sem clareza sobre custos reais ao longo do ciclo de vida das viaturas eléctricas, e.g., custo de manutenção, de reparação e substituição das baterias e troca de pneus mais ou menos intensa.
Para impulsionar a transição da mobilidade eléctrica automóvel poderia ser interessante recorrer a uma Balladurette, i.e., um programa de incentivo ao abate de veículos antigos agressivo e eficaz (Balladurette é um neologismo de origem francesa, refere-se ao primeiro programa de abate de carros usados antigos na compra de um carro novo, lançado pelo antigo primeiro-ministro francês Édouard Balladur em 1994), políticas públicas focadas em veículos elétricos usados para acelerar significativamente a adoção dos mesmos pelos consumidores, e.g., redução no IRS do comprador, e incentivos fiscais justos quer para empresas quer para particulares, estendendo os benefícios fiscais das empresas aos particulares, mais uma vez com redução do IRC e do IRS a pagar.
A nova mobilidade e o papel da IA
O digital já está no centro da mobilidade: apps, pagamentos, gestão de energia, georreferenciação. A Inteligência Artificial é o próximo salto — e já começou.
Entre as aplicações mais impactantes estão, por exemplo, a previsão inteligente de procura, a gestão otimizada de carga para evitar picos, a melhoria de rotas, a manutenção preditiva, e a redução de custos operacionais e energéticos.
Mas os benefícios só surgem com uma governance de dados rigorosa, com transparência e respeito pela privacidade. A confiança é tão crítica como os algoritmos.
Competitividade: o teste decisivo da Europa
Após definir metas ambientais extremamente ambiciosas para a descarbonização da mobilidade, a Europa parece agora recuar nessas exigências. Simultaneamente, outras grandes economias, como os EUA, a China e a Índia, adoptam abordagens mais flexíveis. Exemplo daquela comparação é a assimetria que cria riscos reais, perda de escala industrial, deslocação de produção e desvalorização da existente, maior dependência externa e desemprego.
Para transformar ambição ambiental em valor económico, a Europa precisa de uma política industrial coerente: baterias, redes inteligentes, inovação e capacitação são tão importantes quanto metas legislativas.
Conclusão. A resiliência do ecossistema da mobilidade
O futuro da mobilidade será multifacetado, com uma passagem de uma economia de produção para uma economia de consumo e, depois, para uma economia de serviço, os carros eléctricos serão mais utilizados onde for mais eficiente, apoiado por motores ICE, com combustíveis alternativos onde for necessário e possível e tendo o complemento digital em todo o lado.
Acima de tudo, será um futuro moldado por um ecossistema que tem sempre demonstrado uma notável resiliência, uma capacidade para se reinventar, para absorver e liderar a mudança tecnológica, responder a novos consumidores e manter a economia em movimento.
A mobilidade não se prevê, constrói-se, é ambiciosa, real e positivamente impactante para o bem da humanidade.
Este artigo foi escrito no âmbito da participação da AESE na 36ª Convenção Anual da ANECRA, “Sector Automóvel Rumo a um Futuro mais Inteligente”, com o apoio, revisão e edição de texto de Leonor Granadeiro Ferreira.
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