AESE insight #23 - AESE Business School - Formação de Executivos

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AESE insight #23

12 de novembro 2020

Maria de Fátima Carioca

Dean e Professora de Fator Humano na Organização da AESE Business School 

Em momentos de crise estas 3 características – uma maior motivação pessoal, a missão da empresa estar impregnada de valores sólidos e familiares e a empresa gozar, no mercado, de um extra de confiança – são trunfos extraordinários para enfrentar e ultrapassar a crise.

As empresas familiares e a crise atual – uma análise

Comparativamente às empresas não familiares, as empresas familiares diferenciam-se em algumas características que lhe são específicas. Destacaria, entre todas, o facto de, precisamente, combinarem as duas instituições: a empresa e a família. Esta convivência acarreta muitos desafios, mas também muitas vantagens:

  • Potencia uma Motivação maior: Os membros da família que trabalham na empresa familiar, têm, naturalmente, motivações vitais semelhantes a todos desde a compensação económica ao sentido de realização pessoal. Contudo, adicionalmente, sabem que com o seu trabalho estão a construir, manter e entregar um legado, uma herança tangível e intangível que partilharão com as pessoas que mais amam.
  • Uma Missão que faz parte do ADN: Na empresa familiar, a missão é alavancada na própria família. Está na sua cultura e maneira de fazer. A missão da empresa, aquilo que dá sentido ao que fazem na empresa no dia-a-dia, é sempre baseada em alguns valores explícitos que vêm da própria família.
  • Reputação: Construir uma identidade diferenciadora é mais fácil quando atrás da empresa há uma família com uma personalidade característica e uma maneira única de fazer as coisas. Para o cliente final, a sensação de proximidade que produz ter ouvido falar da família, ou até mesmo a ideia de que os conhece porque a sua reputação os precede, acarreta um extra de confiança que por vezes é bastante vantajoso.


Em momentos de crise estas 3 características – uma maior motivação pessoal, a missão da empresa estar impregnada de valores sólidos e familiares e a empresa gozar, no mercado, de um extra de confiança – são trunfos extraordinários para enfrentar e ultrapassar a crise.

Paradoxalmente, a relação entre a empresa familiar e a família empresária pode também revelar-se uma desvantagem. Em concreto, quando não existe unidade no seio da família proprietária, o futuro da empresa estará sempre em jogo. Ora, tempos de crise são propensos a desentendimentos e mesmo conflitos sobre a estratégia para a empresa, de distribuição de dividendos, etc. Nesse momento, aí mesmo, a desunião começará a minar a família e a empresa.

Há ainda a salientar uma vantagem importantíssima para enfrentar momentos de crise: a existência do chamado “capital paciente” como alguns autores o apelidam. Ou seja: os acionistas, por serem membros da mesma família, suportam melhor os tempos de crise e a menor distribuição de dividendos porque olham para os resultados da empresa a longo prazo, a medida são gerações, e não apenas anos fiscais.


Quando se trata de empresas cotadas com desempenho sistematicamente bom, é possível identificar determinadas capacidades intrínsecas: grande eficácia na estratégia, sistemas e processos eficientes e talento a diverso nível. As empresas familiares cotadas aliam a estas capacidades as vantagens acima citadas nomeadamente uma visão empresarial de longo prazo e de continuidade.


Qualquer empresa pode perder a sua posição de sustentabilidade, devido ao contexto de mercado, ao cenário de crise, a dimensão e escala. Quando se trata de uma empresa familiar, é conveniente que a família esteja vigilante de forma a responder a esse tipo de situação o mais rápido possível para evitar que os bens da família sejam perdidos ou afetados. Contudo, apegar-se ao próprio negócio porque é trabalho ou legado de família é um instinto compreensível. Além disso, por vezes os processos de cedência da propriedade e governo são emocionalmente dolorosos. Contudo, a regra de ouro é sempre “gerir a empresa como empresa e tratar a família como família”, daí que, seja para bem do negócio e da empresa, seja para salvar o património familiar, podem existir razões que levem a movimentos positivos de consolidação. Serão, certamente, situações muito mais aconselháveis ​​do que a falência e o fim da empresa.


No panorama mundial, as empresas familiares tiveram uma maior propensão para lançarem programas de apoio dirigidos à comunidade em geral, já as empresas não familiares apostaram mais em programas de apoio a trabalhadores, clientes e fornecedores que as não familiares. A razão destas diferentes abordagens pode estar no fundamento da responsabilidade pessoal solidária com o Bem-comum enquanto o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, viverem com dignidade e desenvolverem-se. Ou seja, sem diluir a identidade única de cada um, a dimensão é comunitária e não individual. Uma família é disso exemplo e muitas decisões e gestos familiares estão subordinadas a este princípio.


É provável que uma família empresária possa, no seu atuar, transportar mais facilmente esta noção de responsabilidade solidária e que o faça num contribuir para o bem-comum da comunidade.


Artigo escrito a partir do estudo “The Family 1.000: Post the pandemic”, do Credit Suisse, divulgado em Setembro 2020.

Rafael Franco

Professor de Contabilidade da AESE Business School 

Para começar, vamos colocar-nos na posição de um administrador: na posição de alguém que administra um património, que compra e vende, que pede emprestado e dá crédito, que investe e desinveste e em que nada é propriamente seu. Vamos colocar-nos na posição do administrador que tem de prestar contas aos proprietários desse património sobre sua gestão.

A arquitetura do sistema contabilístico

A contabilidade procura transmitir de forma estruturada a situação financeira de uma organização. Por situação financeira entendemos os valores (património) que determinada entidade efetivamente possui, ou tem direito a possuir, e as suas obrigações, ou seja, o que deve a quem lhe deu crédito — incluindo os sócios ou acionistas. A situação financeira de uma entidade é muito volátil e, por isso, está constantemente a alterar-se. Sempre que a entidade tem atividade com impacto nos «números», tal deve ser registado nas suas contas. Daqui decorre que temos sempre de colocar um referencial, uma data, de quando fazemos esse «balanço» da situação financeira.


Para começar, vamos colocar-nos na posição de um administrador: na posição de alguém que administra um património, que compra e vende, que pede emprestado e dá crédito, que investe e desinveste e em que nada é propriamente seu. Vamos colocar-nos na posição do administrador que tem de prestar contas aos proprietários desse património sobre sua gestão.


Se nada é do administrador, então todo o património (ativo) sobre a sua gestão ou sobre o seu controlo que tenha um valor real, ou seja, a possibilidade real de se transformar em euros ou dólares, não lhe pertence pessoalmente. Tudo o que esse administrador venha a receber e que pertença à entidade, deve ser entregue aos credores dessa entidade (passivo) ou aos seus proprietários (capital próprio). Se essa entidade for liquidada ou encerrada, o administrador tem o dever de prestar contas e repartir os bens (ativo) pelos credores (passivo) e proprietários (capital próprio) dessa entidade.


Assim, podemos apresentar a primeira e mais importante igualdade do sistema contabilístico:


Ativo = Capital Próprio + Passivo


Neste processo, é importante considerar ainda um certo equilíbrio temporal e a neutralidade do administrador. Numa perspetiva relativamente ao passado, todo o dinheiro que o administrador investiu nos ativos teve origem nos sócios ou nos credores. Numa perspetiva relativamente ao futuro, todo o dinheiro que entrar pela venda dos ativos (saída do balanço) terá de ser entregue aos sócios ou aos credores. Resumindo, quando o administrador em nome da entidade recebe algum ativo (dinheiro ou bem) de alguém, fica com a responsabilidade de o entregar mais tarde a esse alguém.


Da mesma forma, sempre que o administrador em nome da entidade entrega algum ativo (dinheiro ou bem) a alguém, fica com a responsabilidade de o exigir mais tarde a esse alguém.


Quando paga ou recebe essa dívida, respetivamente, o assunto fica encerrado, e depois de tudo cobrado e pago, o administrador fica a «zeros», ou seja, sem ativos nem passivos. A contabilidade regista estes factos, por um lado, para poder relatar os direitos e as obrigações da entidade em cada momento; por outro, para comunicar aos sócios ou acionistas o valor que esses têm a receber e se está a aumentar ou a diminuir.


É ao comunicar aos sócios ou acionistas que o valor que estes têm a receber está a aumentar (diminuir) que o administrador está a dar boas (más) notícias sobre os lucros (perdas) da entidade durante um certo período. Assim, uma vez decorrido um dado período (semana, mês, trimestre ou ano), se o administrador reporta aos sócios que estes têm direito a receber mais (sem terem colocado durante esse período qualquer valor adicional na entidade) do que no início, então o que lhes está a dizer é que provavelmente tiveram lucro. Essa informação encontra-se ao calcular a diferença entre o total dos capitais próprios no final e no início do período.1


Essa diferença (se for o resultado económico do período) é explicada na demonstração dos resultados, onde são agrupados e resumidos todos os proveitos (rendimentos) e custos (gastos) da entidade nesse período em análise.


Estes rendimentos e gastos são conceitos económicos e nem sempre coincidem com as receitas e despesas de caixa e bancos desse período.


Por exemplo, sempre que a entidade fatura um bem ou um serviço a um cliente considera isso um rendimento — independentemente de o ter recebido a pronto pagamento. Essa dívida do cliente é de facto um ativo para a entidade, porque é um direito efetivo a receber esse valor de outra entidade e que o administrador terá mais tarde de entregar a alguém — credores ou sócios. Essa dívida do cliente terá de estar refletida nas contas (no ativo), assim como deverá estar refletido quem um dia terá direito a receber do administrador esse valor (e.g., fornecedores, bancos ou sócios).


O mesmo se passa com os gastos. Sempre que a entidade consome um bem ou um serviço (e sai dos seus ativos pela redução do valor do respetivo ativo ou é faturado por um fornecedor) , considera-se isso um gasto — independentemente de ter sido pago nesse período. Essa fatura (por pagar) do fornecedor é de facto um passivo para a entidade, porque é uma obrigação efetiva a pagar um valor a outra entidade; e por isso, o administrador deixará de canalizar, em última análise, para os sócios. Essa dívida da entidade para com o fornecedor terá de estar refletida nas contas da entidade (no passivo), assim como deverá estar refletido que os sócios deixarão de ter direito a receber do administrador esse valor (impacto negativo nos capitais próprios).


Resumindo-se a contabilidade à dinâmica entre estes três grandes blocos ao longo do tempo, e considerando que tudo começou do «zero» e que um dia tudo voltará a «zeros», importa perceber como se vai registando o que vai acontecendo.



Recomendamos o livro Contabilidade Descodificada aos gestores que necessitam de ler, analisar e comunicar a situação financeira das suas organizações. O principal objetivo deste livro é explicar de forma simplificada o funcionamento da contabilidade e a sua linguagem.


Não é um livro para os profissionais da contabilidade; destina-se principalmente àqueles que necessitam de perceber o funcionamento da contabilidade. Neste sentido, a teoria e os aspetos técnicos e normativos serão usados apenas nas situações em que são imprescindíveis para facilitar a compreensão e a generalização. A linha de orientação e o fio condutor são essencialmente práticos e utilizará sempre que possível uma linguagem corrente.


O livro está organizado em duas partes: na primeira, iremos recorrer a um caso prático para orientar e facilitar a aprendizagem. Na segunda, usaremos a fundamentação técnica para justificar o que foi feito na primeira parte e proporcionar uma generalização dos conceitos e das técnicas para outras situações de aplicação da contabilidade financeira.


1Esta abordagem é simplificada, uma vez que o total dos capitais próprios pode aumentar devido a reavaliações dos ativos fixos, aumentos de capital ou outras rubricas que não sejam o resultado líquido do período.


Autores:

Rafael Franco, Professor de Contabilidade da AESE Business School
Rafael Dolores,
Diretor Serviço de Auditoria Interna no Centro Hospitalar Lisboa Norte

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Donald Sull and Charles Sull

MIT Sloan Management Review

At first glance, you might expect COVID-19 to be a disaster for corporate culture. The widespread shift to remote work — half of employees in the U.S. were working from home in April — decreased the face-to-face interactions that reinforce organizational culture.1 The economic downturn in many industries and a spike in layoffs threaten to unravel the social fabric that holds companies together.

How Companies Are Winning on Culture During COVID-19

Employees give leadership high marks for communication and integrity in the first six months of the pandemic.


At first glance, you might expect COVID-19 to be a disaster for corporate culture. The widespread shift to remote work — half of employees in the U.S. were working from home in April — decreased the face-to-face interactions that reinforce organizational culture.1 The economic downturn in many industries and a spike in layoffs threaten to unravel the social fabric that holds companies together.


Our ongoing analysis of 1.4 million employee-written reviews on Glassdoor, however, tells a very different story. To examine how the pandemic has influenced employees’ perceptions of corporate culture, we looked month by month at how workers at Culture 500 companies rated their employer for the five years through August 2020. When current or former employees review a company, they are asked to rate its culture and values on a five-point scale, from “very dissatisfied” to “very satisfied.”


We found that the average culture rating across the Culture 500 companies experienced a sharp jump between March and April 2020. (See “Company Culture and Values Ratings Before and During COVID-19.”) The months of April through August 2020, which saw widespread lockdowns, shifts to remote work, and layoffs, occupy the top five spots in terms of average culture ratings during the five-year period.


To understand what was driving this positive spike in culture ratings in the COVID-19 era, we analyzed how employees discussed more than 200 topics in company reviews during the 12 months before the coronavirus pandemic. Our natural language processing platform identified which topics employees mentioned in the free text of their Glassdoor reviews and whether they talked about them positively or negatively. We then compared how often and how favorably those topics were discussed pre-COVID-19 with results from reviews written during the pandemic.2


For most topics, there was little difference in sentiment before and during the coronavirus pandemic.3 But one important theme that does stand out in the months of the pandemic is the quality of communication by leaders. Employees of Culture 500 companies gave their corporate leaders much higher marks in terms of honest communication and transparency during the first six months of the coronavirus pandemic compared with the preceding year.


Employees were twice as likely to discuss the quality of communication by top leaders in positive terms during the months of the pandemic than they were a year earlier. In fact, they were 88% more likely to write positively about leaders’ honesty and transparency (46%). Employees also expressed more positive sentiment about transparency (42%) and communication (35%) in general. (See “Employees Gave Companies High Marks for Communication and Integrity During COVID-19.”) Companies on our Culture Champions list, including HubSpot, Hilton, Ultimate Software, Nordstrom, and HP Inc., scored particularly well on transparent communication during COVID-19.


The theme of transparent communication is relatively rare among official corporate values. In an earlier study of the corporate value statements of more than 500 larger companies, we found that only 12% listed transparency or communication among their official corporate values. Because it is relatively rare in corporate culture statements, transparent communication is not included among our Big 9 values measured in the Culture 500.4 During times of crisis, however, the quality of communication is central to how employees evaluate corporate culture.


This importance of communication and transparency in the Glassdoor data is consistent with findings from other studies. In late April 2020, we asked over 400 HR leaders an open-ended question about the most meaningful thing their organization did to support the transition to remote work during COVID-19.5 High-quality communication was the top answer, mentioned by nearly half of all respondents. A separate survey found that employers were the most trusted source of information on the coronavirus, ahead of government officials, traditional news outlets, or social media.6


In their Glassdoor reviews, employees spoke highly about the level of integrity that their leaders, and their company as a whole, displayed in dealing with the COVID-19 crisis. Employees were 57% more likely to talk positively about ethical behavior during the pandemic and 51% more positively about the company’s compliance with regulations. Integrity is the most common official corporate value, listed by 65% of companies we studied, and is included among the Big 9 values. Culture 500 companies also received positive reviews regarding leaders treating employees fairly and embodying corporate values in the midst of the pandemic.


Financial services companies, including The Hartford, U.S. Bank, and TIAA, were among the leaders in integrity during COVID-19, along with SAP, Marriott International, and Lockheed Martin.


Of course, not everything was good news. Culture 500 employees spoke more negatively about their company’s lack of agility during the first six months of COVID-19 than they did in the preceding year. Employees spoke more negatively about the level of bureaucracy, the complexity of processes, the speed in responding to changes, and a lack of entrepreneurship. (See “Employees Give Companies Low Marks for Agility During COVID-19.”) While employees, on average, believed that their leaders responded ethically and communicated well during the crisis, they were less positive about their employer’s flexibility in responding to the global pandemic as well as to the recession, economic uncertainty, political unrest, and widespread protests.


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Madalena Reis

Diretora de Desenvolvimento e Comunicação na Centro Cultural de Belém e Alumnae do PDE – Programa de Direção de Empresas

«We regret to inform you that the Metropolitan Opera has made the extremely difficult decision to cancel the entirety of the 2020–21 season, based on the advice of health officials who advise the Met and Lincoln Center.»

We are ready when you are

«We regret to inform you that the Metropolitan Opera has made the extremely difficult decision to cancel the entirety of the 2020–21 season, based on the advice of health officials who advise the Met and Lincoln Center.» Foi desta forma brutal e definitiva que a Metropolitan Opera anunciava a suspensão temporária da sua atividade, para a temporada 2020/21, até que haja imunidade de grupo ou esteja disponível uma vacina para que uma instituição daquela escala e envergadura possa voltar a receber centenas de artistas e milhares de espectadores, em condições de segurança. Uma decisão certamente difícil e muito ponderada, que acarreta custos enormes para uma instituição que vive de financiamento privado, e que logo se apressou a lançar programação online – com Opera on demand, streamings e concertos ao vivo – mas também com uma campanha para angariação de fundos intitulada «The Voice must be heard – Support the Met now and protect its future.»


Quase em simultâneo, do outro lado do Central Park, em Nova Iorque, o Metropolitan Museum, um dos principais museus do mundo, reabre as suas portas, após estar encerrado durante cinco meses. Max Hollein, Diretor do Museu, falava da excitação de reabrir as portas e convidava o público a explorar os mais de 5 mil anos de arte, cultura e história. «Desde o encerramento, em março, que toda a equipa do museu zelou pela conservação das coleções e esteve a preparar o regresso tão esperado, implementando um conjunto de novas medidas para garantir o bem-estar e segurança de todos os visitantes», diz na sua mensagem de boas vindas. E lança o convite: «A arte tem o poder de entusiasmar, confortar e inspirar, e dá-nos um sentido de interligação e comunidade. We are ready when you are.»


Esta interpelação, generosa, compreensiva e responsável, é exatamente aquilo que queremos ouvir de uma instituição cultural. Queremos que nos digam que estão prontos para nos receber, quando nós estivermos preparados para os voltar a visitar. Mas os tempos são tão incertos que hoje o medo – e não necessariamente a falta de meios – pode transformar-se no maior inimigo da cultura.


O mundo das empresas ensina-nos que onde há uma ameaça, existe sempre uma oportunidade. E sabemos que é assim. Para qualquer sector de atividade, a inovação com vista ao crescimento pode ser trabalhada em gabinetes de estratégia e desenvolvimento, grupos de inovação, etc., ou pode simplesmente ser provocada por alterações externas à organização. A verdade é que os estímulos – provocados ou «infligidos» sobre as organizações – são absolutamente necessários nos processos de mudança, e não devem ser temidos.


Este tempo oferece desafios mais ou menos imagináveis em todos as áreas, e o sector cultural não é diferente. Aliás, foi o primeiro a ressentir-se com a ausência de trabalho, e também o primeiro a reagir à enormidade que vivemos em março deste ano, com o confinamento obrigatório.


Escritores, artistas plásticos, atores, músicos, poetas, filósofos, bailarinos e tantos outros artistas deram voz, corpo, palavra e expressão àquilo que a maioria de nós não conseguia exprimir. Multiplicaram-se na televisão e no universo digital os concertos espontâneos, assinalámos o Dia Mundial da Dança com as salas de espetáculo fechadas, vimos exposições em museus e monumentos através de visitas virtuais, e através da arte foi possível refletir e encontrar formas alternativas para continuar a alimentar o nosso espírito, que parecia desorientado e, mais do que nunca, sedento de propostas artísticas que nos elevassem a alma.


Coincidência ou não, no Dia Internacional de Museus (18 de maio) o sector cultural começou a reabrir as suas portas. A pouco e pouco, foi possível retomar a atividade, com lotação reduzida dos espaços e medidas de segurança apertadas, quer para os artistas e profissionais, quer para o público. A experiência de encontro com a arte e os artistas foi profundamente alterada, mas já não estava interrompida. Mas também é certo que ficaram os hábitos entretanto adquiridos de consumo cultural através de outros veículos, nomeadamente através do mundo digital, no qual se pode criar e partilhar novas e antigas criações, com audiências igualmente atentas. E este adquirido já não se irá perder. Ganhou-se um espaço novo.


Numa entrevista inflamada, Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil afirma: «Cultura não é uma coisa extraordinária. Cultura é ordinária, é feijão com arroz, é necessidade básica, tem que estar na mesa, tem que estar na cesta.» E conclui: «Tudo é cultura, toda a acumulação de um povo, de realizações múltiplas de um povo, tudo isso é cultura.»


Esta ideia fundamental de que precisamos da cultura e da arte para viver parece hoje tão real, quanto ameaçada. A crise financeira e o desinvestimento vão colocar em risco projetos, instituições e muitos profissionais da área cultural. Mas não pensemos que o financiamento para a cultura chega apenas através dos apoios estatais ou das empresas, porque cada um de nós pode e deve ser um veiculo de apoio ao sector cultural. Desde que tenhamos hábitos de consumo cultural. A cultura hoje (e sempre, em boa verdade) tem que ser apoiada e tem que ser praticada. Cada um de nós, individualmente, está a apoiar o sector cultural sempre que for ao cinema, aos museus, aos monumentos e aos teatros. Estaremos a dar um sinal e por isso somos responsáveis diretos e parte ativa nesta delicada equação.


O Plano Nacional das Artes, uma Estrutura de Missão criada pelo Ministério da Educação e o Ministério da Cultura, numa espécie de carta aberta, afirma a importância do ensino e da educação, em tempos excecionais. «Esta éora de provar que a cultura, as artes e o património não são um luxo extracurricular, mas uma necessidade vital para a concretização da missão da escola. Que a cultura, as artes e o património são elementos nucleares naperacionalização das componentes curriculares e assumem um lugar central na educação e no desenvolvimento integral dos alunos, fomentando o exercício de uma cidadania esclarecida e responsável, que interpreta (e interpela) o contexto onde se insere, que valoriza as culturas locais e globais, contribuindo assim, para a construção de dinâmicas sociais e educativas mais enriquecedoras.  “Este é o dia, esta é a hora (…)” (Ricardo Reis)»


Num encontro online organizado antes das férias de verão, o Papa Francisco falou sobre a importância da resiliência nos períodos de crise, do trabalho na educação e «do papel da gratuidade, sentido e beleza», recorrendo a um filme, uma pintura e um livro: o louco, de A estrada, de Fellini, O chamamento de Mateus, de Caravaggio, e O idiota, de Dostoiévski. «Nunca se esqueçam destas últimas três palavras: gratuidade, sentido e beleza. Podem parecer inúteis, sobretudo hoje em dia. Quem se põe a fazer uma empresa buscando gratuidade, sentido e beleza? Não produz, não produz. E, no entanto, desta coisa que parece inútil depende a humanidade inteira, o futuro. »

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