An article a day #23 - AESE Business School - Formação de Executivos

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An article a day #23

22 de abril 2020

Francisco Vieira

Francisco Vieira é Professor de Operações, Tecnologia e Inovação e Diretor do AMEG da AESE Business School.

O sector energético não escapa certamente aos impactos duma pandemia que paralisou o mundo e lançou um espectro negro no futuro próximo das nações, das empresas e das famílias. Com muito poucas exceções, a generalidade dos sectores da atividade económica sente já os efeitos dos lockdowns e o tremendo desafio duma recuperação que se prevê longa, independentemente da forma da curva, entre tantas que a literatura nos tem brindado.

Cushing e Pandemia, a tempestade perfeita na energia


Este sector em particular – a Energia – tem, no entanto, dois aspetos especialmente sensíveis à natureza global da crise que agora começa: (i) a Energia é em si mesma um dos sectores mais globalizados da atividade económica; (ii) trata-se de um sector em pleno processo de transição para um mundo descarbonizado. Estas duas características parece potenciarem um efeito mais devastador que porventura noutras áreas da atividade económica. 


O sinal mais visível do coronavírus nos mercados globais da Energia é o folhetim Opec+, que se arrasta há quase 1 mês, e que resulta da queda a pique da procura mundial de petróleo num mundo paralisado pela pandemia. O Brent que negociava nos $70 em Janeiro, aproximou-se dos $20 no final de Março, muito pela recusa da Rússia em aceitar uma redução da produção, e da resposta da Arábia Saudita com uma guerra de preços suicida. E claro, não esquecer que em Novembro haverá eleições presidenciais nos EUA. Este afundamento dos preços do petróleo a que assistimos até ao passado Domingo (portanto ainda sem o crash de 2ª feira 20.04.2020) tem um primeiro conjunto de vítimas: as centenas de produtores independentes de Shale Oil no continente Norte Americano (Estados Unidos e Canadá), com balanços hiper alavancados, e com valores de break even bem acima dos $40. O Presidente Trump não tardou em desdobrar-se numa diplomacia económica com vista à necessidade imperiosa de reequilibrar os preços do petróleo com um corte do lado da oferta. É curioso constatar que bastantes dias após a obtenção desse acordo histórico entre a Opec e a Rússia (a 9 de Abril), a cotação do crude continuava sem evidenciar o esperado movimento de recuperação que seria de antecipar. Se bem que os valores de redução acordados neste último entendimento Opec+ não têm precedente na história recente, 10 milhões de barris por dia (num contexto de consumo pré-crise de 100 milhões barris por dia), o problema é que a contração mundial da procura nos próximos meses pode chegar aos 30 milhões de barris por dia, o que aliado ao nível record de stocks acumulados lança grandes incertezas sobre a eficácia do referido acordo. Vamos ver. 


Mas eis que há 2 dias o inédito surpreende tudo e todos: a cotação de referência do petróleo nos Estados Unidos – West Texas Intermediate – atinge valores negativos de $40. Num só dia, em poucas horas, o preço do WTI colapsa mais de $55. Já temos assistido a preços negativos da energia elétrica (não em Portugal porque a lei não permite), yields e taxas de juro negativas nos mercados de capitais, mas preços negativos numa commodity como o petróleo, é a primeira vez na história. Sem pretensões de “explicador” o facto merece, contudo, um esclarecimento. O que se passou há dois dias na New York Mercantile Exchange (CME), a praça bolsista onde se transaciona o WTI, é o resultado técnico de uma circunstância pontual num contexto global. Muitos dos contratos de futuros WTI (CME) estabelecem uma data limite ao dia 20 de cada mês, para as entregas físicas no mês seguinte. No passado dia 20 de Abril, os Traders perceberam por um lado a impossibilidade de vir a armazenar fisicamente o produto que prometeram comprar, e por outro o colapso da procura de petróleo nos Estados Unidos em Maio, o que gerou um movimento de pânico e a corrida talvez ao maior sell off a que os mercados de commodities alguma vez assistiram. Pagar para ver-se livre de uma mercadoria que o mercado não vai escoar e que não tem forma de armazenar-se. Aqui entra em cena a pequena localidade de Cushing, no Estado do Oklahoma (EUA), a maior encruzilhada de pipelines de todo o continente, com vastas instalações e terminais de armazenamento com uma capacidade de 72 milhões de barris. Este é o ponto de entrega consignado na maioria dos contratos futuros de WTI… e está com a capacidade quase esgotada. A cotação do WTI voltou no dia seguinte a terreno positivo, ainda que seja de prever uma enorme volatilidade dos preços nas próximas semanas, enquanto não se verificar o corte drástico nos níveis de produção. 


A quebra abrupta da atividade e do consumo registada no último mês na generalidade dos países da OCDE repercutiu-se igualmente nos mercados elétricos com os preços dos futuros a evidenciarem reduções muito significativas. É certo que por nossas casas a fatura da luz e do gás só pode crescer nestes meses de confinamento, com mais televisão, mais tempo de computador, maior utilização do forno, e menos mal que as temperaturas primaveris não têm obrigado a carregar no aquecimento. Tudo isto porventura compensado pela poupança forçada nos combustíveis. 


Mas do lado da produção, transporte e distribuição de energia elétrica as perspectivas não são famosas. Os investimentos intensivos que estas infraestruturas normalmente requerem são remunerados a prazo pela utilização que deles fazem os consumidores e o país. Há, pois, aqui uma lógica de negócio, não apenas de serviço público, que só pode ver-se agravada pela recessão que nos espreita.  


Não são tudo más notícias. Para um país como o nosso, altamente dependente das importações para fazer face ao nosso mix energético, a última coisa que precisaríamos para começar a repor a economia seria uma energia cara. Mas infelizmente não se prevê que os preços baixos estimulem por agora uma atividade produtiva com profundas marcas. 


Uma última nota relativa ao tema das alterações climáticas e aos impactos aparentemente positivos que a imobilização das principais economias está a ter nos níveis de emissões de gases com efeito de estufa. Evidentemente que ninguém advogará esta via para a resolução do problema da temperatura do planeta. Além disso, por muito limpos que se apresentem os céus da Europa ou os canais de Veneza, será sol de pouca dura. Vai demorar muitos meses, provavelmente anos, para voltarmos aos níveis de crescimento económico pré-crise, mas esse gap climático positivo será pouco expressivo, em vista do horizonte geracional desta agenda. O que me parece razoável prever será um abrandamento por parte das economias mais fragilizadas no processo da transição energética. As prioridades da recuperação económica e os impactos da crise no sector privado podem bem desviar a atenção duma agenda que “(não) pode esperar”.   


Será razoável pensar que a vida não vai permanecer exatamente igual à que tivemos até agora. Não é difícil antecipar que a aprendizagem a que nos tem sujeitado este regime de trabalho remoto, com a utilização de tecnologias deveras eficazes na produtividade de algumas equipas e empresas, irá provavelmente mudar o paradigma da mobilidade neste mundo globalizado. E quem já se apercebeu são com certeza as companhias de aviação, as poucas que irão emergir da crise, nacionalizadas ou com recursos extraordinários. 


O sector energético, movido pelas várias revoluções tecnológicas que têm proporcionado progresso à Humanidade, irá com certeza ter um papel determinante na recuperação do nosso tecido produtivo no pós-corona.

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