AESE insight #70 - AESE Business School - Formação de Executivos

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Tesla e Elon Musk – um desenvolvimento surpreendente nesta última década

José Ramalho Fontes

Presidente da AESE e Professor de Operações e Tecnologia

Em 2015, um especialista do mercado automóvel referiu que todos os principais fabricantes, da Porsche à Ford, deveriam estar atentos ao dia em que a Tesla pudesse fabricar e vender um milhão de carros por ano. Se fossem inteligentes, estariam a trabalhar ‘a todo o vapor’. É certo, afirmou, que a gasolina não vai acabar tão cedo porque existe uma enorme infraestrutura para reabastecimento de veículos e o diesel ainda é necessário para os camiões de longa distância que não estão ao alcance da capacidade das baterias, contudo há de haver um momento no futuro em que isto também vai mudar. Ora, esse ano será o 2022, pois a Tesla vendeu 960 mil carros em 2021, pelo que poderá ser interessante ver qual foi o resultado desses trabalhos e muitos, muitos biliões de euros de investimento nas dezenas de fabricantes de automóveis maiores e de nicho.

A Tesla Motors transforma o setor automóvel

Há dez anos, em maio, com um atraso significativo sobre o prometido, a Tesla apresentava o modelo S, um carro de luxo que teve um êxito imediato sendo considerado nos EUA o Carro do Ano, pela Motor Trend, algo que nunca tinha acontecido, nas décadas de atribuição desse Prémio, a um carro totalmente desconhecido. Por certo, em 2019, a mesma revista considerava o Tesla S o automóvel com maior impacto no setor, nos últimos 70 anos.

Dois anos antes, em junho de 2010, a Tesla Motors realizava o seu IPO com um valor de $17/ação.

Nesta dezena de anos, a marca desenvolveu uma curta gama de modelos – S, X, 3 e Y, mas que no 1º trimestre de 22 são os BEV (battery electric vehicules) mais vendidos no mundo: TESLA Y, 170 000 unidades e TESLA 3, 130 000. Aliás, em 2021 o modelo 3 já foi o mais vendido com a entrega de 501 mil unidades. Estes automóveis foram produzidos em Fremont, Califórnia, a fábrica original, e em Shangai, construída sem sócio chinês e com grande rapidez, possível pela simplicidade da mecânica dos elétricos, e que já está a duplicar a sua capacidade. Em paralelo a fábrica de Berlim, torpedeada pelos alemães, já arrancou, neste 1º trimestre, e a Tesla tem a fábrica do Texas a arrancar, apontando para que a empresa produza e venda, em 2022, cerca de 1,3 milhões automóveis, face aos 936 mil de 2021, cerca do dobro de 2020.

Estes breves apontamentos e números, sublinham que a Tesla é pioneira na comercialização de uma nova geração de veículos elétricos puros, que nunca tinham sido considerados viáveis comercialmente pelas grandes marcas líderes. Carros produzidos numa conceção integrada de fábrica automóvel e de baterias, pela parceria com a Panasonic, o que lhe tem dado uma vantagem competitiva no desempenho global que observadores independentes consideram ser de 6 meses a um ano, sobre os demais fabricantes de automóveis que se relacionam com os outros fabricantes de baterias, como a Catl, Samsung. SK Innovation e LG Chem. Excetua-se a ByD, que produz baterias internamente, que também vende aos demais OEM, Original Equipment Manufacturer.

Por outro lado, a empresa desenvolveu novas tecnologias de produção, possíveis pela maior simplicidade de cada viatura, e optou pela produção integrada, com um mínimo de outsourcing, em grande contraste com todos os demais fabricantes globais (OEM) do setor que foram concentrando a sua atividade num conjunto relativamente restrito de competências nucleares. Neste aspeto, é particularmente significativo o que se refere ao software da Tesla, concebido e produzido internamente, de modo integrado, para realizar o controlo do veículo e da sua condução, para estabelecer a relação com o utilizador e na sua permanente atualização online, coisa que nenhum dos seus concorrentes conseguiu até à data, reconhecendo-se que tem um desempenho que pode demorar cinco anos a ser alcançado pela maioria. Embora a VW esteja a trabalhar nesse sentido, já admitiu que conceber um software sofisticado é um desafio muito maior do que o inicialmente previsto, como afirmou Herbert Diess, CEO do grupo perante um conjunto de diretores da marca.


28 jan 2022 – A Tesla apresentou em 2021 uma faturação de $17,7 mil milhões, 3,4% acima das previsões e de mais 10,4% do previsto em dividendos. Obteve lucros de 2 mil milhões de dólares no 4º trimestre do ano, rumo a um lucro total de 5,5 mil milhões.
Relevante é igualmente a margem de lucro bruta da Tesla, só na produção e comercialização de veículos, que atingiu uns invejáveis 30,6% no 4º trimestre (29,3% GAAP). De realçar que este valor tem vindo a aumentar de forma consistente, uma vez que nos trimestres anteriores atingiu, respetivamente, 25,6% e 21,2%.


No setor automóvel os BEV são apenas 8% de um total de 84,4 milhões

A cota mundial de mercado dos BEV, em 2021, é cerca de 8% de 84,4 milhões, isto é 6,8 milhões, dos quais 15% são Tesla, pelo que muitas pessoas, mesmo especialistas, minimizam a relevância da empresa, da marca, também pela personalidade e atitudes do seu principal acionista e CEO, Elon Musk. Contudo, se nos quisermos fixar na mobilidade elétrica, é necessário regressar ao final do século passado para identificar o primeiro protagonista comercialmente relevante, o Toyota Prius, lançado no Japão, em 1997, em função do Protocolo de Kioto, e internacionalmente em 2000, o primeiro híbrido produzido em série, ao qual se seguiram mais outros modelos da extensa gama da Toyota, um dos dois maiores fabricantes de automóveis do mundo, nos últimos anos.

Apenas em 2003 cada venda do Prius passou a gerar lucro, na segunda geração, em que cortou os custos da tecnologia para 50% e, em 2020, o Prius tornou-se um dos modelos mais lucrativos da marca nipónica, com a terceira geração da tecnologia a cerca de 25% do valor inicial. Em 2020 a Toyota já tinha vendido 15 milhões de modelos híbridos, dos quais cerca de dois terços foram Prius.

Embora esta ligação não esteja presente entre o público, foi na sequência deste sucesso que todas as grandes marcas europeias começaram a apresentar modelos híbridos, incluindo plug-ins, estimuladas (ou compelidas?) pela regulamentação europeia que impôs que, em média, a produção global de cada fabricante não podia exceder emissões de CO2 de 95 g/km, a partir de 2020. Atualmente, todos os fabricantes têm múltiplos modelos híbridos nas suas gamas e, várias marcas já anunciaram em público que deixarão de produzir automóveis com motor a gasolina ou diesel em 2030 ou 2035.

Também no Japão, em 2010, a Nissan apresentou o Leaf, o primeiro BEV a ser lançado comercialmente em larga escala e em todo os mercados. Agora, nas estradas do mundo inteiro, circulam mais de meio milhão de Nissan Leaf, um BEV que já vai na quarta geração.
Por outro lado, e não satisfeita com o resultado do Prius, nestes curtos anos a Toyota investiu e desinvestiu na Tesla, mas não quis apostar em BEV, porque considerou que ia repetir a experiência do Prius na produção do Mirai, um elétrico alimentado por “fuel cells”, em séries mais pequenas com versões sucessivas desta tecnologia. Começou, em 2018, com uma frota de 3000 táxis de Paris, e a partir de 2020, tem produzido 30.000/ano, com a introdução da segunda geração, com menos materiais nobres (e caros) para gerar a mesma quantidade de energia, o que reduzirá o preço da tecnologia em 50%. Algumas outras marcas experimentaram esta mesma tecnologia, Hyundai, Mercedes, etc., mas nenhuma com resultados comerciais significativos.

No campo dos BEV, qual é a concorrência da Tesla?

A mais tradicional

Nesta década, no campo dos BEV comparáveis aos Tesla, foram-se apresentand0 dezenas de produtos, mas a lista do Top 10 de 2021 representa uma imagem comercialmente significativa, onde os Tesla lideram, como referido acima (figura) e onde se incluem 6 modelos chineses e dois europeus, o VW ID4 e o Renault Zoe.
Contudo, já no primeiro trimestre de 2022, a liderança da Tesla amplia-se, os modelos chineses passam a ser 7, a VW desce para a 8ª posição e desaparece o Renault; mais abaixo, em 12º lugar, aparece o Hyundai Ioniq 5, outro modelo não chinês.

A concorrência tecnológica

Mas há um outro tipo de concorrência muito relevante porque, tal como aconteceu noutros campos, também no automóvel foram surgindo as tecnológicas, as empresas Google, Apple e Sony, principalmente, que foram desenvolvendo propostas de mobilidade elétrica alternativas a partir do conceito que a Tesla estabeleceu: o automóvel, digamos assim, é fundamentalmente tecnologia e software, o que possibilita uma arquitetura global nova para este ‘produto’ no qual as empresas de tecnologia têm vantagens específicas, por um lado, e, por outro, a parte mecânica, a carroceria, o chassis e os interiores são commodities que múltiplas empresas podem fabricar em co-criação.

A Google foi a empresa que produziu e começou a utilizar um microcarro elétrico sem condutor, que já fez muitos milhões de km sem motorista e, praticamente sem acidentes, dando origem, depois, uma empresa independente, a Waymo, mas ainda não tem nenhum produto comercial. A Apple, tirando partido das suas competências únicas em design, usabilidade, hardware e software, já afirmou que está a desenvolver um automóvel para comercializar, tendo sondado meia dúzia de fabricantes OEM – Hyundai/Kia, a GM e a Peugeot, por exemplo – para o fabrico da plataforma ‘tradicional’, mas não existe ainda qualquer proposta comercial.

Precisamente nestes dias, a Honda e a Sony assinaram um acordo para uma nova joint venture Sony – Honda Mobility, para produzir um BEV em 2025, com uma nova modalidade de união de competências e, certamente, uma nova marca.

Um resultado surpreendente! E é sustentável?

Assim, pode concluir-se que, numa década, a Tesla implantou-se neste mercado de futuro, dizem, sem qualquer parceiro tradicional, e nenhum dos incumbentes, entre as maiores e mais evoluídas empresas do mundo conseguiu apresentar uma verdadeira alternativa, o que se traduz na sua valorização bolsista: em janeiro de 2021, os especialistas do setor afirmaram que o valor das ações podia chegar a US$ 1.000 ainda nesse ano, o que veio a acontecer em novembro/21, com o valor $1213, um máximo, em dezembro/21, $1150, e ainda em abril/22, $1149. A este nível de cotação, o valor de mercado da Tesla é superior ao de todas estas empresas: Volkswagen, Toyota, Ford, Honda, GM, Fiat Chrysler, BMW, Mercedes-Benz, Nissan e Hyundai, também incluindo a Peugeot, Renault e KIA.

Contudo, hoje, em finais de junho de 2022, o valor das ações da Tesla é de $737 acima dos $687 de há duas semanas atrás, uma descida acompanhada pelos demais fabricantes o que poderá levar a alguns ajustamentos no ecossistema, mas não serão relevantes no contexto desta década. Recordar o valor do IPO, há 12 anos: $17.

Não seria honesto terminar este apontamento sem referir a ByD, um grande fabricante chinês de híbridos, de BEV e de baterias, em que o Warren Buffet tem uma participação significativa, que tem dois modelos BEV no Top Ten de 2021 e quatro, no Top Ten do 1º trimestre de 2022. Foi a única marca cujo stock valorizou 22,8%, desde janeiro ($259 para $318), com uma capitalização bolsista, a junho/22 de $107,8 milhares de milhões, que compara com a capitalização da Tesla de $763,7 milhares de milhões, com cotações de $1093 e $737, uma descida de 32,6%.

Com os resultados da ByD e com as várias marcas chinesas do Top Ten, ainda numa gama de produtos com preços abaixo da Tesla, adivinha-se que a próxima década não vai ter uma liderança tão marcada da marca americana e que o panorama dos BEV vai ser altamente competitivo, sendo expectável que se venha a verificar uma reorganização do ecossistema dos automóveis elétricos, das baterias e, em geral, da mobilidade.

Segunda parte: Como interpretar esta realidade
a) À luz de situações anteriores no mundo das empresas e dos produtos
b) Dentro dos novos conceitos do ecossistema e do propósito

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