AESE insight #39 - AESE Business School - Formação de Executivos

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Desafios do presente e desafios do futuro (Parte 2): o Capital Humano

Diogo Ribeiro Santos

Professor de Finanças da AESE Business School

  1. Desafios do futuro


Os desafios do futuro – como a transição digital e a automação – já eram suficientemente claros antes da pandemia, que apenas veio precisar-lhes os contornos e acentuar-lhes a urgência. A pandemia veio acelerar o ritmo da transição digital. Portanto, sobreviver à crise não assegura a viabilidade do modelo de negócio a médio prazo. Um estudo da Accenture[1], realizado durante a pandemia, evidencia que empresas digitalmente fluentes, com força de trabalho com sólidas competências digitais, têm cinco vezes mais probabilidade do que seus pares de ter um forte crescimento de vendas nos próximos três anos. “Digital” é a nova língua que todas as empresas têm de aprender a falar; não basta conhecerem os rudimentos, têm de ser fluentes em “digital”.

Em segundo lugar, o estudo conclui que, ao nível individual, as competências técnicas – análise operacional e de controlo da qualidade, ciências, programação e design tecnológico – são a chave para progredir profissionalmente e são necessárias para provocar saltos significativos na mobilidade económica. É duas vezes mais provável que estas competências estejam associadas às profissões melhor remuneradas do que quaisquer outras competências.

Com essas competências, continua o estudo, um terço dos trabalhadores com baixos rendimentos nos EUA (33 milhões de pessoas) conseguiria transitar para “profissões com futuro” (opportunity jobs), auferindo salários medianos de 35 dólares/hora. Essas profissões caracterizam-se por: salários elevados; baixo risco de automação (apenas 31% do tempo é dedicado a tarefas automatizáveis); integrar sectores que crescem acima da média; resiliência a disrupções súbitas, com capacidade de completar tarefas remotamente; ter existido uma transição significativa para essa profissão no passado recente.

Portugal acumula um elevado potencial de automação e um défice de competências técnicas, o que altera radicalmente as perspectativas de manutenção de postos de trabalho a longo prazo. 50% do tempo despendido em tarefas laborais é susceptível de ser automatizado recorrendo a tecnologias já existentes, podendo o mesmo aumentar para 67%, em 2030, se surgirem novas tecnologias[2][3]. 2% das profissões são quase 100% automatizáveis e 60% das profissões têm 30% das tarefas automatizáveis. Cerca de 56% dos trabalhadores desempenham ocupações rotineiras pouco qualificadas, enquanto cerca de 23% desempenham funções não-rotineiras pouco qualificadas. Apenas 13% desempenham funções não-rotineiras altamente qualificadas.

No cenário-base do estudo, verifica-se uma redução de 1,1 milhões de postos de trabalho, com incidência em ocupações altamente repetitivas, previsíveis e físicas, no processamento e recolha de dados, na interacção com o cliente e, em especial, nos seguintes sectores: manufactureiro, comércio por grosso e a retalho, apoio administrativo e agricultura. Independentemente do número de postos de postos de trabalho criados ou perdidos em termos líquidos, cerca de 700 mil trabalhadores terão de alterar a sua ocupação ou adquirir novas competências até 2030.

As conclusões do estudo da Nova SBE tiveram eco no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cuja versão final foi enviada à Comissão Europeia no passado dia 22. O PRR, diga-se em jeito de parêntesis, não destoa da longa tradição nacional de planeamento estratégico: ao invés de concretizar uma opção estratégica – isto é, escolher uma opção em detrimento das restantes – apresenta-se como um catálogo de (quase todas as) opções disponíveis. O PRR foi dotado com 16,6 MM€, dispersos por 20 Componentes, que se dividem em 37 Reformas, que se subdividem em 83 Investimentos.

Folheando o PRR, na Dimensão “Transição Digital”, Componente 20 (Indústria 4.0), com uma dotação de 650 milhões de euros (M€), encontramos o Investimento “Capacitação Digital das Empresas”, orçamentado em 100 M€. Este investimento visa «colmatar lacunas nas competências digitais dos trabalhadores (funcionários e empresários) e das empresas», através dos programas “Academia Portugal Digital” e “Emprego + Digital 2025”. «Prevê-se atingir 800 mil formandos com diagnósticos de competências digitais, planos de formação individual e acessos a formação online, dos quais 200 mil irão cumulativamente frequentar formações presenciais ou em regime misto».

A título de comparação, olhemos para a Amazon que, em 2019, se comprometeu a investir 700 milhões de dólares (M$), até 2025, para requalificar 100 mil colaboradores, cerca de um terço da sua força de trabalho nos EUA. Através dos programas Amazon Technical Academy (ATA), Associate2Tech (A2T), Machine Learning University (MLU), Career Choice[4], Amazon Apprenticeship (AA), e AWS Training e Certification, a empresa vai formar os colaboradores em competências críticas que lhes permitam transitar para empregos mais qualificados e melhor pagos, técnicos ou não, dentro ou fora da Amazon.

Programas como ATA, A2T e AA foram especialmente desenhados para formar pessoas que não têm qualquer experiência ou formação técnicas e dar-lhes acesso a ocupações como cloud support associate, data technician e software development engineer. A formação, online e presencial, é paga pela Amazon e decorre durante o horário de trabalho. 15 mil colaboradores frequentaram os programas, no primeiro ano. Dos novos contratados para funções técnicos na Amazon, 38% eram ex-colaboradores dos centros de entrega (fulfillment centers) formados pelo A2T, especificamente desenhado para este grupo laboral. 80% dos formandos foram colocados em posições técnicas na Amazon, e 15% ocupam posições de engenharia de programação (engineer positions)[5].

Ao câmbio actual, a Amazon pretende investir 623,5 M€ para requalificar 100 mil trabalhadores. O PRR pretende requalificar 800 mil trabalhadores, 8 vezes mais, gastando 50 vezes menos por trabalhador do que a Amazon (125 € contra 6.235 €). Acresce que os 700 M$ não incluem o custo dos 400 cientistas de Machine Learning da Amazon, que se voluntariam para leccionar na MLU. A resposta do PRR para dotar os trabalhadores portugueses com competências digitais é irrealista e fica aquém do necessário.

A abordagem radical da Amazon é uma lição sobre como compensar a destruição de emprego causada pela automação e criação de empregos com futuro e de uma força de trabalho resiliente, demonstrando que o objectivo do PRR é alcançável se investirmos o suficiente – cerca de 5 MM€[6]. O gráfico em anexo ilustra o percurso formativo necessário para transformar um fiel de armazém (order filer) em programador de software (software developer) e, subsequentemente, em administrador de dados[7]. As empresas portuguesas estão atentas a este tema. Quando questionadas sobre as áreas em que pretendem aplicar os fundos do PRR, as duas primeiras prioridades são a Digitalização dos Processos Produtivos e a Capacitação dos Trabalhadores para a Digitalização. (68% e 63,4%, respectivamente, consideram “Muito provável” o investimento nestas áreas)[8]. Provavelmente perceberam quais são os “empregos com futuro” e que formar os próprios trabalhadores é uma solução muito menos onerosa do que concorrer no mercado do talento pelos profissionais de TI, cujos salários aumentam face à procura.

Melhorar as competências digitais dos portugueses deveria ser um desígnio nacional, que congregasse esforços públicos e privados. Em concreto, permitir a 800 mil portugueses que trocassem o ganho mensal médio de profissional semi-qualificado ou não qualificado (777 €) pelo de quadro médio (1.753 €)[9] teria um impacte anual no PIB de 9,45 MM€, excluindo efeitos indirectos e assumindo o crescimento necessário. Contudo, investir em capital humano, em intangível, terá sempre um apelo muito inferior ao investimento em “betão” ou em “máquinas”, que são palpáveis, não fogem para a concorrência e não emigram. Quem tem razão? Como dizia certo compositor italiano, depois do fiasco de uma nova ópera, «il tempo lo dirá».



[1] Accenture (2021). Upskilling for a post-pandemic economy: Why skills training is now more important than ever to build a resilient workforce.

[2] Nova SBE e CIP. (2019). O Futuro Do Trabalho Em Portugal: O Imperativo da Requalificação.

[3] McKinsey&Company, Nova SBE e CIP. (2019). Automação e o Futuro do Trabalho em Portugal.

[4] O Career Choice é um programa de bolsas que financia formação para conseguir empregos fora da Amazon.

[5] Amazon Upskilling 2025 Report, Dezembro de 2020.

[6] 6.235 euros vezes 800 mil trabalhadores.

[7] Fonte: estudo da Accenture, já citado.

[8] Banco de Portugal e INE (Novembro de 2020). Inquérito Rápido e Excecional às Empresas – COVID-19.

[9] Dados do INE. O ganho inclui a remuneração-base e todos os complementos.

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